sábado, 21 de agosto de 2010

Memórias de um barco do Douro! ( Parte 2 )


... Só tínhamos a noção de sermos um barco muito pequeno por alturas das grandes cheias do rio Douro, e, durante esses curtos períodos, até que apreciávamos que os nossos barqueiros se voltassem para os afluentes, e, sentíamos uma nova emoção penetrar nestas ocasiões pelo rio Mau ou mesmo pelo Arda fora e encostar nas suas margens, talvez por percebermos, que eram momentos muito raros e de excepção, e, ainda recordo, que tínhamos um comportamento que fazia lembrar as crianças com o seu temperamento alegre, mas irrequieto e imprevisível, capaz de criar alguns problemas ao barqueiro em qualquer ponto do rio, caso este perdesse a concentração, por momentos que fosse...
Lembro-me como se fosse hoje, que éramos um barco que não gostava de estar parado e detestávamos as horas de descanso dos pescadores, que, por vezes, também eram mineiros ou lavradores, e, embora não decidíssemos o que quer que fosse, tínhamos também as nossas manias e até as nossas preferências no movimento à ré, coisa inexplicável, sem justificação, assim como adorávamos as travagens, um processo bastante usado com ambas as pás dos remos e até as consequentes mudanças de direcção!... Delirávamos com tais manobras, sem saber muito bem porquê, e, já não sentíamos o mesmo quando os nossos barqueiros - e foram muitos! - se ocupavam do movimento de proa, que era o mais normal, ou melhor, o mais utilizado. Sim, remava-se, preferencialmente, de frente e para a frente, o que talvez vá dar razão àquele ditado popular que diz, "em frente é que é Lisboa!", mas não sabemos se tem a ver uma coisa com a outra...
Ah, mas voltando ainda às grandes cheias, para relembrar a mim mesmo o que foram todos aqueles momentos, bem mais raros, felizmente, em que as águas sujas, cor de barro, escondiam a vossa e "nossa" ponte velha! Era como se não existisse e a "nossa emoção" era grande ao passarmos em todos os sentidos, por cima duma ponte de ferro, que desaparecera aos olhos de toda a gente e nem era tão pequena quanto isso!... Da noite para o dia, tudo se modificara com a subida das águas, e, passara a ser um ambiente muito estranho, por ser coisa rara e que até aos barcos meteria uma certa confusão, enquanto dava para ver a impotência e o temor dos homens e das mulheres, enquanto as crianças em idade escolar quase ficavam sem fala ao ver pela primeira vez um cenário que desconheciam e que bem poderia deixar marcas!... É a vida! (Continua) )


Nota: Este post é inteiramente dedicado ao meu grande amigo Valdemar Ferreira pelo grande amor e dedicação de uma vida aos rios, aos barcos e a toda a região do Douro!

1 comentário:

  1. Felizmente que ainda há fotos documentasis de no ano de 1962 naquela que foi a segunda maior cheia ocorrida no Rio Doiuro, apenas superada pela de 1909 que subiu o seu caudal mais um metro.
    A antiga ponte que atravesse o Rio Arda ficou submersa, aí a passagem de bens e pessoas eram feitas por nós e pela pequena bateira uma barco de maior dimensões e que pode ser visto em Terras Rio e Mar.
    Parabéns ao autor e ao execelente trabalho que aqui nos brinda e que são a continuidade de outtros por si elaborados anteriormente de qualidade superior.
    Muita força.
    Um Povo sem memória, é um povo sem rumo.

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