sábado, 19 de março de 2011

"AH, MEU LUÍS DA CARVALHEIRA!..."

Quando tinha os meus seis, sete anos e morava em Rio Mau, fixei uma das figuras mais típicas do pequeno lugar! Lembro-me que os adultos lhe chamavam Luís da Carvalheira, morava numa casinha humilde ali próximo da Pia da Casca com uma senhora mais idosa e que seria a sua mãe!... Era um local de passagem quase obrigatória, porque dava acesso à velha Capela e respectivo cemitério, e, o Outeiro, onde ficava a casa dos meus pais, era ali bem perto...
Sabíamos, que este homem simples e que aparentava ter mais de quarenta anos, era operário em Germunde e o seu modo de vestir, ao primeiro impacto, dava a perceber que teria as maiores dificuldades de sobrevivência, se tivéssemos em conta a forma andrajosa de toda a sua roupa!... Era um homem cordato, nunca lhe conheci qualquer desacato, mas, ficava-se com a ideia, que seria a pessoa mais pobrezinha de toda a aldeia, se fosse tido em conta a quantidade de remendos nas calças e no casaco que fazia questão em ostentar durante todos os dias do ano!... Tive ocasião de "espreitar" e ver que os remendos sobre remendos eram obra sua, de resto, era impossível, a quem quer que fosse, fazer pior trabalho!... Andei todo este tempo convencido, que toda a lide da casa passava por este homem, o que me leva a pensar, que a sua mãe teria problemas sérios, mas em rigor nunca poderei afirmá-lo... A forma de vestir era única em toda a aldeia, e, por ser tão bizarra, até aos miúdos da minha idade não passava despercebido, mas honra lhe seja feita, porque o nosso Luís da Carvalheira nunca deu mostras de quaisquer complexos de inferioridade, cumprimentava e falava com toda a gente, embora se soubesse que uma boa parte dos adultos, em especial as mulheres da nossa aldeia fizessem questão de pegar no seu mau aspecto exterior, como contraponto para casos tão diversos e que nem sequer tinham semelhança! Sobretudo as mães, sempre que "ralhavam" com os filhos, era certo e sabido que iam rebuscar a frase já crónica:
«- Ah, meu Luís da Carvalheira!...»
Na década de cinquenta, um pouco mais crescido e já a morar em Pedorido, na outra margem do Douro, continuei a ter a oportunidade de ver o Luís da Carvalheira a caminho de Germunde, ou seguindo em direcção oposta a caminho de Rio Mau e da sua casinha, agora com mais idade, mas rigorosamente fiel à sua roupa remendada e que ainda parecia ser a mesma dos anos quarenta da minha infância...