domingo, 27 de setembro de 2009

Hist. Mínimas: Revisitei Rio-Mau em Set.bro (2ªparte)

Assim que terminei o almoço deixei a Foz e segui para a zona mais central de Rio Mau, mais precisamente junto à Sobreira, aquele lugar que guardo na memória, dos fins dos anos QUARENTA, onde os rapazes adolescentes da época se juntavam para diálogos muito amistosos, à mistura com gargalhadas e que se ouviam à distância, no final de cada dia, depois de mais um dia de trabalho.
Naturalmente, que já terão passado SESSENTA ANOS, mas importa registar tudo quanto nos marcou para o resto da vida, sobretudo, se no resto do nosso percurso tivemos a desdita de deparar com outros exemplos, que não sendo iguais aos que presenciei em Rio Mau, não têm sequer semelhança.
Em Rio Mau, com seis e sete anos, registei momentos e acontecimentos que me acompanharam pela vida fora. Foram exemplos de amizade, companheirismo e solidariedade desses jovens, que irradiavam um certo tipo de amor fraternal; foi o contacto por perto, com o padre Manuel, que, para além de abade, muito pacífico, era antes do mais trabalhador, muito interessado na feitura das colmeias, juntamente com os demais trabalhadores, das futuras moradias das abelhas, onde se esperava, viessem a fabricar o Mel, delicioso néctar, de que os humanos gostam de se apropriar, por necessidade e pelo prazer dos açucares ; foi ainda o HUMANISMO, a ÉTICA e o SABER do padre Manuel, que teve sempre a arte e o engenho de apontar às pessoas daquele pequeno meio, que, só através do trabalho honesto, no dia a dia, estariam a investir na forma mais correcta para serem felizes e também úteis à sociedade. Dessa Igreja, confesso, sinto ainda hoje a falta, porque estes exemplos, são de um realismo, que não precisa de palavras para ver passada a mensagem, porque o conteúdo é acessível, toda a gente percebe. A socidade necessita de agarrar estes valores e é indiferente se lhes são transmitidos por religiosos ou não, porque só por si, a demagogia e o oportunismo não têm raizes fortes e saudáveis, logo, perdem consistência, definham e o falhanço será mais que certo. A história dos homens está cheia de tristes exemplos!...
Estou em crer, que alguns dos êxitos que Rio Mau obteve nos últimos TRINTA, QUARENTA anos, se ficou a dever ao facto de ter ido " BEBER " a essas fontes de bons exemplos que atrás enunciamos! Era tudo uma questão de tempo, bastaria mudar de paradigma e havia excelentes condições no terreno para que fosse possível a transformação que se desejava.

Quero agora contar-vos um caso que conheci pessoalmente e que ajuda a confirmar as minhas convicções:
Estávamos no ano de 1981 e fui encontrar numa empresa química de Estarreja, que estava a ser construida, várias inscrições gravadas no solo, alusivas a RIO MAU e que me levaram a procurar nas várias empresas que ali operavam, na expectativa de poder encontrar conterrâneos meus, que poderia até conhecer, ou não. Efectivamente, lá encontrei os CANECAS, um outro jovem soldador de nome RUI, um outro chamado PEGAS, natural de MOREIRA e ainda outros de que já não recordo os nomes. A verdade é que estavam ali de Segunda a Sexta e durante anos a lutar pela vida, e, mais uma vez, tive a oportunidade de comprovar, que entre eles continuava aquela chama de companheirismo e de ajuda mútua, como conhecera há trinta anos atrás! Não notei qualquer diferença e lá veio de novo à minha lembrança a figura do Padre Manuel que muito terá contribuido para que este " Milagre " ainda aconteça com as gentes de Rio Mau.
É neste estado de espírito que chego à zona da Sobreira, naturalmente muito diferente de outrora. Do lado oposto e em todo o correr já não existem os campos de cultivo de que ainda me lembro... Deram lugar a cafés e a outro tipo de construção, resultante do crescimento, entretanto verificado em Rio Mau, que passou de um simples Lugar para Freguesia e a História vai registando os passos, que vão sendo dados, por esta gente de espírito sempre jovem, que persiste em manter a sua matriz e que tem brio em preservar as suas MEMÓRIAS, que são o seu alimento e o " SEGREDO " para vencer as dificuldades e ir em frente, com o sucesso que todos lhe reconhecem e que está à vista!... É um povo que demonstra no dia a dia que está de bem consigo próprio, que vive sem azedume, mesmo quando surgem as dificuldades e isso está espelhado na alegria que deixam transparecer nas conversas simples e que até contagia!... Não será por acaso que um vizinho muito atento de Rio Mau ao caracterizar este povo, dizia mais palavra menos palavra o seguinte:- « ... COMO EU GOSTARIA QUE OS MEUS CONTERRÂNEOS FOSSEM UNIDOS COMO ESTE POVO DE RIO MAU!... »
Parece-me, que este desabafo, dito em tom magoado e nostálgico encerra uma verdade que até os cegos são capazes de ver!...

Não foi difícil encontrar alguns dos meus " velhos " amigos. Um a um, iam chegando junto do café da BANDA, ponto de encontro para a conversa, ler o jornal e tomar o café a seguir ao almoço.
A uma certa distância consigo descortinar o " Benfica, " rapaz do meu tempo e com quem tive o previlégio de jogar futebol, ainda no antigo Pejão, decorria o ano de 1965... Foi um encontro de grandes amigos, e, a seguir, outros iam chegando:- o Manuel Carvalho ( Marau ), o " velho " Mota, defesa aplicado, o Arlindo, guarda-redes, mais conhecido por " Borrachinha, " e o Zé Abílio que no atletismo deu cartas no lançamento do dardo e do disco! Conversamos com a mesma franqueza dos tempos passados, sem tecnicismos e vi nos olhos de alguns aquela emoção própria dos melhores momentos das nossas vidas!... Conversei ainda com os bons amigos Neves e Valdemar a quem no final dos anos QUARENTA apelidavam de Stálin e que tem agora SETENTA e CINCO anos!
O Manuel Carvalho e o " Benfica " tiveram ainda a amabilidade de me levarem até ao Ribeiro, de quem guardo muitas recordações, mas confesso que encontrei grandes diferenças, não só no ribeiro, mas sobretudo no meio envolvente... Gostei do novo espaço que está a ser perspectivado para festas e outros eventos, e, acho óptima, a ideia daquela reconstrução para a futura biblioteca!
De conversa em conversa, tive a grata surpresa de tomar conhecimento de que Manuel Araújo da Cunha, era também de Rio Mau e morava na freguesia. Quis conhecer este ilustre conterrâneo, dizer-lhe pessoalmente que aprecio muito do que tem publicado na Internet, que admiro bastante o seu estilo, e, que, gosto, particularmente da causa que vem defendendo em toda a sua OBRA: A REGIÃO do DOURO! Assim, desta forma natural e simples, vamos encontrando no nosso caminho, a caminhada de outros que também à sua maneira vão fazendo um trabalho sério, honesto e que é pouco reconhecido, e, acontece, quase sempre, surgir alguma lembrança, já tardiamente,de preferência depois do desenlance fatal, muito à " boa maneira portuguesa "...
A verdade é que a terra vai necessitar sempre de ser regada, mas está já adubada e por aí quase que poderíamos dormir descansados, mas é mais prudente não ir por aí, porque há tanto a fazer!... Depois as lembranças dos exemplos do Padre Manuel, do Ricardo Sousa, do Marques Sopa (já falecidos) e dos Canecas, do Rui ( jovem soldador em 1981), do Manuel Cunha, do António Monteiro e de tantos que não conheço, mas que existem e que estão a dar o seu melhor, são a garantia de que esta gente vai continuar a dar a volta por cima, como já o vem fazendo há CENTENAS de anos, se forem correctas as informações escritas acerca do povo de Rio Mau!...

Quero voltar em breve a Rio Mau para novo reencontro, mas desta vez, queria muito encontrar o Orlando Sousa e o António Monteiro, de quem me desencontrei desde os anos SESSENTA e que recordo com muita saudade, pela amizade fraterna que sabia transmitir e também pelo gozo que era, ouvir de viva voz, as lindas quadras sobre as povoações ribeirinhas, sem nunca esquecer o DOURO de milhões de anos!
Foi um prazer enorme estar convosco e voltar às minhas origens, onde tudo começou para mim e o começo foi em RIO MAU; faço questão de relembrar a mim próprio este facto, e, muitas vezes, nas minhas conversas com outras pessoas, vou buscar alguns dos temas que aqui temos aflorado e que damos como exemplos, e, todos, sem excepção, gostam do que ouvem e ficam encantados com as HISTÓRIAS CURTAS ou MÍNIMAS sobre Rio Mau e a sua gente!
Só quem se afastou voluntariamente dos seus amigos sabe o quanto custa viver separado!...


UM ABRAÇO DO TAMANHO DA SERRA DA BONECA PARA RIO MAU !

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Histórias Mínimas: Revisitei Rio-Mau em Setembro!... ( 1ª Parte )

Há alguns dias voltei a Rio Mau e porquê?!
A verdade é que aspirava voltar àquela bonita aldeia, e, se o não fiz antes, foi porque demos prioridade a coisas que nos ocuparam em demasia, e, que, em boa verdade, algumas delas, nem seriam de interesse relevante!
O chamamento era forte e a felicidade não podia ser mais adiada! Tentei prever os passos que iria dar nos dias que antecederam a minha partida, mas desconhecia quem iria encontrar dos bons velhos tempos, embora não tivesse preocupação quanto a isso, já que a boa hospitalidade é um dado adquirido daquela gente, para mais tratando-se dum filho da terra, como era o caso.
Fui direitinho à Foz e dali contemplei enternecido Pedorido na outra margem, que também é a aldeia que mora comigo, porque não é em vão que ali se vive até aos vinte anos!...
Mesmo que não quiséssemos, as recordações não paravam e eram muitas... Desde logo, senti o antagonismo do DOURO que conheci, mais estreito, como era seu hábito nos meses de Setembro, em que as águas eram sempre turvas, quase barrentas e onde todo o extenso areal chegava a ter maior expressão que o reduzido caudal do rio, já que se estendia lá de cima em frente de Rio Mau, continuava pela frente da Penela, ali bem defronte a Pedorido, e, onde já se podia verificar o nítido contraste entre a cor das águas do Douro com as do Arda, sempre tão límpidas e azuladas, e, que, teimosamente, se encostavam bem junto à margem esquerda, até para lá da Lingueta, retardando quanto possível a mistura das suas águas com as do Douro, o que só viria a permitir, lá mais para diante, junto a uma pesqueira e que no rigor do Verão, mais parecia um promontório, por ficar totalmente fora de água... Era aqui, um pouco mais acima, que pontificava a quinta de Fornelo, bem resguardada e também bem trabalhada e que devido à sua favorecida colocação no terreno, bem poderia apreciar os variados cenários que se iam sucedendo, mesmo ali à sua frente, visionar não só as metamorfoses em que o Douro era pródigo durante os doze meses do ano, mas ainda todo o vale que se esgotava lá longe no Remoinho em Rio Mau, portando-se como um observador sempre presente de todas as peripécias de que foi testemunha priviligiada, merecendo destaque as enormes dificuldades, que, todas as embarcações, em especial os barcos RABELO, sentiam, para transpôr aquele curto mas difícil " galheiro ," ali mesmo nas suas barbas, sabendo os barqueiros que dali até à Régua, o pior estava ainda por vencer, caso o abendiçoado vento marítimo não aparecesse a inflamar as velas remendadas, como tantas vezes sucedia!...
Era uma luta titânica , tanto a descida como a subida do Douro,levada a cabo por estes homens, que um dia se fizeram barqueiros de um Rio, que nunca os haveria de compreender...
Esta pequena quinta era como que um marco entre o Arda, Pedorido e Germunde, sendo, este, um lugar sombrio, de certa forma estranho e de muita labuta, e, onde, diariamente, centenas de trabalhadores se encontravam, para os mais variados trabalhos da Carbonífera, sendo, que, a maioria eram mineiros!... Na verdade, Germunde nunca nos pareceu um lugar acolhedor, por natureza, em que até o Sol entrava mal, com um terreno acidentado até ao Rio e onde imperava a cor negra do carvão por tudo quanto era sítio... Também não creio, que as gerações que por ali passaram questionassem a tal ausência de beleza do referido local, porque a missão que para lá os levava, diariamente, era de outra índole, e, tinha sobretudo a ver com a luta pela sobrevivência, e, essa, tinha e sempre terá muita força! Acontece, que a profissão de mineiro, era até de um grande risco!

Almocei na Foz, no único mas acolhedor restaurante que ali fui encontrar, mas durante todo o almoço não fui capaz de desviar o olhar da outra margem, e, só então pude perceber melhor, que, afinal, continuava muito dividido entre Pedorido e Rio Mau, o que pensando bem, é até muito natural! Foi nestas duas bonitas aldeias, como teimo carinhosamente em chamar-lhes, que aprendi o essencial, e, neste essencial, estou a englobar o muito bom e naturalmente o menos bom, de que ninguém se livra, mesmo os que nascem em berços dourados, que não foi o meu caso, felizmente o digo...
Tive, confesso, grande dificuldade em concentrar-me e as mudanças que fui observando também não vieram ajudar... As águas do Douro terão agora muito mais que o triplo da largura, os areais sumiram-se, a cor das suas águas também se modificaram, são de um azul muito próximo do azul do Arda e já não é perceptível a dupla identidade dos dois rios. Foram várias as perdas, e, perdeu-se, ainda, a BARCA no seu característico vai-vem, entre as duas margens e que era tão útil às populações ribeirinhas, e vi, por tudo isto, a tristeza aumentar, talvez, por perceber toda a impotência da minha parte em alterar de imediato o que já é uma impossibilidade!...
Claro, que, fiz um grande esforço mental para abandonar todos aqueles cenários e procurei ajuda na paisagem, algo, que me derpertasse de novo e me retirasse do desconforto em que havia caído. É então que " descubro " a altivez de uma nova ponte junto à foz do Arda, e, isso, veio como que alterar o meu estado de alma, por querer acreditar ainda que, poderemos estar a caminho de um " novo " tipo de desenvolvimento para benefício de todas as zonas ribeirinhas do Douro, beneficiando quem sempre aqui viveu e que tem verdadeiro amor à região.
Reparando melhor e no momento, parece-nos que as Concas, terá perdido a grandeza, a beleza, a alegria e até um certo romantismo de outrora e o nosso Arda, já não é aquele rio autónomo que conhecéramos e a sua RIBEIRA também já não existe...
Resta apenas, nas nossas cabeças, os belos cenários dos anos CINQUENTA e SESSENTA e o muito amor que tínhamos ao ARDA e à sua personalidade de rio interior e muito amigo das gentes de Pedorido! Foi um companheiro de caminhada de muitas gerações, perante as quais nos curvamos respeitosamente! Nunca será fácil mexer com as MEMÓRIAS!...
Que dizer, ainda da Ribeira, imponente em ambas as margens, que só não tinha continuidade em menos de CEM metros junto à PAÇARIA, na margem direita!
À distância de mais de cinquenta anos, recordo com nostalgia toda a beleza daquela Ribeira, que fazia lembrar um enorme " jardim " e que tinha o seu início junto à foz do Arda e em ambas as margens, e, continuava para lá de Aradelo, creio ser este o nome, estamos a falar de grandes distâncias e muitos milhares de hectares!...
Era a ocupação e o sustento de muitas famílias, porque era possível retirar daquelas terras gordas, boa produção. E não era só milho e feijão!...
Convém aqui referir, ainda, que, enquanto a preciosa água ia faltando um pouco por toda a aldeia, à medida que a exploração do carvão avançava, toda a Ribeira não sentia esse problema, porque o ARDA estava ali, mesmo à mão de semear, era só o lavrador coordenar os trabalhos e na hora pôr a NORA em funcionamento... E, se bem me recordo, as noras abundavam, de acordo com o essencial, ao longo de toda a Ribeira.
O casario em Pedorido também sofreu alterações de monta! O Alto do Picão e a Mina da Pedra perderam praticamente todas as casas, devido à exploração mineira, mas em contra-partida, grande parte daquele Monte que fica entre o Douro e o Arda, tem sido palco de novas e melhores construções e quer-nos parecer que Pedorido e Oliveira do Arda estarão já ligadas pelo casario!
Por outro lado, esta nova zona de construção terá melhor acessibilidade que as zonas que foram sendo abandonadas, e, do ponto de vista de salubridade, parece, que, também não há comparação possível.
Apetece-nos dizer, que se confirma, aqui, aquela bela frase do poeta, quando exclama com convicção:

«É fundamental que o Homem sonhe para que as coisas aconteçam»

UM ENORME ABRAÇO PARA PEDORIDO E RIO MAU !