domingo, 28 de fevereiro de 2010

RELEMBRAR o DOURO seus AFLUENTES e suasGENTES!

A década de Cinquenta em toda a zona do Couto Mineiro do Pejão é consensual, quanto a ser reconhecida como uma época de muita ocupação, onde a exploração mineira tinha na Carbonífera, de capital belga, o seu maior empregador, e, quase que podíamos dizer, à falta de dados estatísticos, que haveria pleno emprego em toda esta vasta região, muito embora se tratasse, em larga medida, de trabalhos duros e até perigosos e para cúmulo muito mal pagos... Daí, e, por via dessas duras realidades, a emigração para outros países esteve sempre na mira de uma parte dos seus habitantes, e, naturalmente, na década referida também não houve excepção.
Já deu para perceber, que o dia a dia destas gentes por cá era muito difícil, agravada ainda com o facto de serem famílias dum modo geral muito numerosas, devido ao elevado número de filhos, cujo "mérito" vai inteirinho para o "trabalho" persistente da igreja Católica, que dos altares fazia das homilias dominicais um dos seus temas preferidos, recorrendo amiudadas vezes com a ameaça do inferno, procurando por aquela via, incutir nos crentes da existência de uma outra face num Deus infinitamente bom, mas, que, afinal, também poderia ser castigador...
Em resultado de tantas dificuldades diárias, a lavoura ocupava não só os pequenos lavradores e caseiros mais humildes, mas dum modo geral os mineiros e também os barqueiros, pescadores e outros, que se "entretinham" com a feitura anual da sua lavoura e de alguma pesca no grande rio Douro e nos seus pequenos mas importantes afluentes, como era o caso do "velho" e muito amigo Arda, responsável por manter todos os anos uma ribeira pujante e capaz de ajudar, com o que ali se criava, uma parte dos habitantes das aldeias vizinhas dos seus vales - sempre verdes em todas as estações - e que eram por ordem ascendente Pedorido, Oliveira do Arda e ainda Folgoso...
As famílias que todos os anos trabalhavam aquela ribeira do Arda, sabiam que não precisariam de adubar muito aquelas terras, porque as cheias anuais do Douro já o haviam feito em grande medida, com os variados e ricos sedimentos ali deixados ao longo das cheias de Inverno, e, se, a seguir, lhe somarmos na altura devida o trabalho dos homens, dos bois e do arado, e, lá mais para diante com a abundância da água do Arda, que, eram por esta ordem, os grandes responsáveis pelas boas e saudáveis colheitas de milho, feijão, vinho e até de saborosas melancias!
O Arda servia ainda de piscina durante os meses mais quentes do ano a uma juventude masculina, que, na Passaria, se entretinha a aperfeiçoar os dotes naturais de nadadores e sobretudo de saltadores, já que ali, a altura das águas assim o permitia; além do mais, este afluente tinha outras "virtudes" de interesse e estamos a referir-nos à segurança que oferecia aos "banhistas" por um lado, e, à lisura das suas águas por outro, e, era, seguramente, devido a este último factor, que as mulheres e as raparigas desde o Alto Picão, aqui se encontravam regularmente, para em sítios bem escolhidos do baixo Arda, se empenhar determinadas a lavar e a branquear as roupas bem sujas dos mineiros e de toda a numerosa família!
FIM DA 1ª REMADA ( Continua )

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

INTOLERÂNCIAS RELIGIOSAS NOS ANOS CINQ.! (1ª PARTE)

Todos nós já nos apercebemos de que há, por vezes, momentos históricos em que até as religiões se vêem tentadas a usar métodos autoritários e grosseiros, tentando a todo o custo fazer com que as comunidades adoptem posturas e caminhos definidos por quem superintende nessas religiões, esquecendo-se esses dirigentes, que, quase sempre, até são doutorados, de que a adesão a uma prática religiosa é antes do mais um direito de cidadania livre e que ninguém, por mais humilde que seja, poderá ser obrigado a aceitar práticas ou comportamentos indesejáveis para a sua condição de ser humano!
Sabemos agora que isto é básico, mas nos anos Cinquenta o comum dos cidadãos em Pedorido desconhecia este e outros direitos e o resultado está à vista, com os casos que passamos a relatar e que não deverão ser escondidos para "debaixo do tapete" por irresponsabilidade, admito, mas também por parte da Instituição que agora não quererá admitir que falhou e não basta a desculpa, que tanto jeito dá nestas ocasiões, de procurar atirar as culpas para esse passado negro, ao optar por um silêncio comprometedor, quando se sabe que todas as religiões herdam sempre o que se fez de bom e de menos bom até ao presente...
Vamos aos factos:
«As secas nos anos Cinquenta, a partir do mês de Abril aconteciam com um rigor tal, que punham em desespero os lavradores e caseiros mais humildes que viviam de uma agricultura de subsistência, mesmo contando com o melhor quinhão da ribeira do Arda, que resistia muito bem à canícula e porque ali a água nem sequer era problema, já que o "velhinho" e amigo Arda sempre fora solícito na colaboração...
Mas quem dirigia a igreja católica na aldeia, entendia que também tinha uma palavra a dizer, e, quando a seca persistia, lá se prontificava a levar a cabo umas procissões que largavam da igreja lá no sopé junto ao Douro, rumando com alguma ligeireza até às zonas mais altas e mais afectadas, ao mesmo tempo que rezavam ou entoavam cânticos com o fim de ser escutados por um Deus que fosse receptivo e generoso, como lhes convinha...
Só que este tipo de prece religiosa pode ter um ou outro inconveniente, uma vez que se trata de uma exposição pública, de contacto com a natureza e onde é sempre possível o imprevisto acontecer, quando se desfruta durante muito tempo de cenários diversos e de grande beleza, e, pode muito bem suceder um ou outro caso de desconcentracção, como foi o caso da mulher de um dos humildes caseiros da aldeia, quando não pôde evitar em determinada situação um largo sorriso, porque terá achado divertido a algo que os seus olhos terão apreciado momentâneamente; só que em resultado dessa "boa disposição", teve que aguentar com uma bofetada do abade, que na frente dos presentes quis mostrar todo o seu autoritarismo e uma grosseria que na época não teve consequências!... »
As décadas foram passando, mas os que estão ainda vivos registaram e lembram, que, no mínimo, o que deveria ser feito por quem superentende na diocese, se é que ainda não sucedeu, seria um pedido de desculpas à comunidade católica desta honrada aldeia e sobretudo aos familiares dessa honesta mulher, que, seguramente, terá ainda filhos e netos vivos, sabendo nós que alguns dos filhos já terão falecido.
A vingança e a raiva são sempre desaconselháveis, mas reconhecer os erros, só dignifica os Homens e as Instituições, porque é muito antigo e ainda não foi desmentido por nenhum sábio o provérbio que diz:« MAIS VALE TARDE QUE NUNCA...».
( CONTINUA )
RECORDAR É VIVER DUAS VEZES!
UM ABRAÇO DO TAMANHO DO " VELHINHO " ARDA!



domingo, 14 de fevereiro de 2010

QUE EDUCAÇÃO RELIGIOSA?! EXEMPLIFIQUEMOS!...

Continuando ainda nos anos Cinquenta para abordar desta vez o tema da religião, que era na época, ainda é hoje e no futuro ainda promete ser, fonte de profundas divisões e discórdias entre os povos, porque todas as religiões teimam em apresentar-se como detentoras de verdades absolutas e inquestionáveis, gerando-se a partir daqui estados de discussão intermináveis, sem cedência efectiva de nenhuma das partes, originando ódios recíprocos, enquanto que de quando em vez, vamos assistindo a umas quantas invasões, normalmente sem aviso prévio, de modo a inflingir no "inimigo" ataques de uma crueldade e de uma desumanidade, que, fazem, no mínimo, corar de vergonha todos os humanos que já perceberam e aceitam, que o respeito pelos outros é o mínimo exigível que pode e deve ser feito...
Entretanto, voltemos uns anos atrás e a Pedorido para tentarmos perceber como é que a religião era vivida naqueles tempos por pais, filhos e pela restante comunidade.
No final dos anos Quarenta é aqui construída uma igreja nova, muito mais ampla no seu interior, cortando de vez com as capelas exíguas do século XVIII e XIX, optando agora por uma construção de base granítica, que, como se poderá verificar em todo o seu exterior é a garantia de uma robustez que ninguém ousará pôr em causa...
Começamos por clarificar que estamos a falar da religião Católica, aliás, a única que se praticava, não só nesta aldeia, como nas demais aldeias do Couto Mineiro!
De resto, essa questão nem sequer se colocava na época para os responsáveis católicos, que, "jogavam", pensamos nós, com o desconhecimento geral, ao mesmo tempo que tiravam daí o proveito, sabendo, todos nós, como é bem mais fácil conduzir um "rebanho" que não vai levantar questões, se à partida desconhecer que no resto do mundo há povos a seguir outras religiões, umas mais próximas do catolicismo, outras nem por isso e que todas somadas darão um número de vários milhares, se lhe juntarmos as seitas, que, entretanto, não se cansam de aparecer e que também têm arte e engenho para captar adeptos e seguidores!...
É curioso referir aqui que havia uma família que viveria lá para a cidade do Porto e que todos os anos pelo Verão, vinha passar as suas férias para uma casa no lugar do Valpaço e que era conhecida pela "casa dos protestantes" ou ainda por "casa dos maçónicos", mas tudo isto era dito sem rigor algum pelas gentes da terra; a única coisa que podemos afirmar, é que eram pessoas que passavam todo esse tempo de férias dentro dos limites da sua propriedade e que eram muito simpáticas a dizer o bom-dia, ou a boa-tarde, às pessoas que por ali passavam e ficavam-se por aí...
Entretanto, quem dirigia os destinos da igreja, preocupava-se antes do mais em manter activo um programa para todo o ano, que tinha repetição nos seguintes, por forma a "obrigar" todas as famílias a uma ligação militante, desde as missas diárias até às confissões e comunhões mensais, procurando a adesão dos pais e filhos, passando ainda pela catequese, pelas procissões, pelas novenas e com semanas de pregação, efectuadas por abades de outras paróquias, que "batiam " em temas escolhidos a preceito, havendo sempre o cuidado de arrumar dentro da igreja, as mulheres a um lado e os homens a outro, exactamente igual ao que era a prática nas escolas públicas em todo o país!... As semelhanças com os métodos, usados pelo regime político e pela religião católica, eram por demais coincindentes, sonegando não só uma sã formação religiosa às pessoas, como também a falta de informação contribuia com que estas aceitassem como certas todas as "ordens" emanadas do altar!...
Os pais eram assim "educados" a mandar os filhos bem cedo para as cerimónias da igreja, mesmo que ocorressem à noite e que poderiam ir até às vinte e três horas... Só falta clarificar que eram no essencial filhos de mineiros, de barqueiros, de lavradores, de pescadores e de pequenos caseiros, que, juntamente com uma parte significativa de pais e avós - sempre os mais assíduos - eram o suficiente para "arranjar" boas "assistências"!
Mas, apesar do controle efectivo sobre a comunidade, lá vem o dia em que a "coisa" descamba e o impensável acontece... É assim, que numa das novenas de Maio, ali por meados dos anos Cinquenta, quando a rotina "imposta" parecia vingar por mais um dia, surge o inesperado... e que passamos a contar:
« O padre convidado para o sermão daquela noite, já estava há algum tempo a desenvolver o tema que escolhera, utilizando o púlpito adequado e que ficava do lado dos homens - mais uma coincindência - sensivelmente a meio da igreja, quando resolve esplanar uma das suas ideias e perguntar a si próprio mas em voz alta:

... E QUANDO É QUE NÓS MORREMOS? SIM, QUANDO É QUE NÓS MORREMOS?...

Aqui, faz um pequeno compasso de espera e... acto contínuo, uma voz de homem, irrompe da assembleia e de forma célere "dispara" a seguinte resposta:

... QUANDO DEUS NOSSO SENHOR QUISER!...

O pregador "requisitado" para aquela noite, que não esperaria nunca vir a ser interrompido, por uma vez que fosse, acusa a surpresa da intromissão e notou-se algum embaraço, porque vagueou para outras conjecturas, até lá encontrar de novo o rumo que trazia em mente e prosseguir com o sermão, para mais adiante voltar a questionar-se, mas desta vez com uma pergunta muito directa e sobretudo muito incómoda para os católicos:

... E SE NÓS FORMOS PARA O INFERNO?... E SE NÓS FORMOS PARA O INFERNO?..

Aqui a mesma voz e o mesmo homem de instantes atrás, que não havia mudado de lugar nem de posição, responde sem vacilar e de forma decidida:

... DEUS NOSSO SENHOR NOS LIVRE DE LÁ!...

O abade pregador voltou a "acusar" a segunda intromissão, mas duma forma menos surpreendente e foi mais ágil a controlar o embaraço, para voltar a "encontrar-se" e ao sermão que traçara para aquela noite, mas até ao final não ousou formular mais nenhuma pergunta, pensamos nós, para não correr o risco de voltar a ser de novo interrompido por aquele nosso conterrâneo, que além de uma vida difícil dedicada aos barcos e ao rio Douro, sempre deu mostras de alguns conhecimentos bíblicos - caso muito raro na aldeia - e de uma certa "queda", para em momentos "mais inspirados" fazer questão de "oferecê-los" aos seus conterrâneos, fazendo-o por mote próprio e quando lhe aprouvesse, sem nunca cobrar um vintém, imitando as práticas de Cristo de há dois mil anos!...

NOTA: Foi com alguma saudade que trouxemos até este espaço a recordação de um pedoridense simples e honesto, de quem guardamos boas memórias e a quem prestamos uma justa homenagem e que em vida se chamou Agostinho Tavares!

RECORDAR É VIVER DUAS VEZES!

UM ABRAÇO PARA PEDORIDO!