quinta-feira, 27 de maio de 2010

O MIÚDO NÃO ESQUECEU!...

Todas as pessoas trazem agarradas a si memórias, muitas memórias e das mais diversas, sendo certo que uma boa parte se vai perdendo com o tempo, por não ser possível registar tantos acontecimentos, quando nós próprios também não lhes damos essa importância, como é óbvio.
Há factos, que nos marcaram pelos mais váriados motivos, uns porque foram determinantes nas nossas vidas, outros pela raridade, ou mesmo pela novidade, como os que a seguir vou narrar e que calei durante várias décadas...
Teria os meus dezasseis anos e na época, (final dos anos cinquenta) era comum ver os miúdos a participar nas tarefas da Carbonífera a partir dos catorze anos, colaborando dessa forma com o baixo salário para as despesas familiares. Integrávamos como aprendiz, os serviços de apoio nas oficinas de uma empresa mineira, numa falésia sobranceira ao rio Douro e numa tarde quente do Verão de 1959, quando penetrava na galeria principal, para dar continuidade a um serviço no Poço Mestre de Germunde, a uma profundidade de cem metros, fui surpreendido pela voz autoritária de um eng. técnico dessas minas e que a uma distância de uns vinte metros, exclama:- «OLHA SE CALAS O ASSOBIO!...»
Na ocasião, achei desajustada a forma autoritária com que fui admoestado, porque assobiar no interior de uma galeria, não seria caso que justificasse tamanha reprimenda, mas lá calei o assobio e o nosso homem deve ter ficado com o ego favorecido, por sentir que tivera mais uma "grande vitória", numa curta disputa, sem sentido, perante um jovem ainda despido de memórias, mas já com sonhos, naturalmente...
Pouco tempo depois e por mera casualidade, escutava da boca de um tubista das minas, uma história para mim um pouco perturbadora e que não mais iria esquecer:
« O nosso tubista, nessas minas de carvão, contava a dois ou três mineiros, que, no desempenho da profissão junto do Poço Mestre, quando estava a ser construído, evitara, com alguma genica e sorte, que um eng. em desiquilíbrio, caísse ao referido Poço, que na ocasião teria cem metros de profundidade... O tempo foi passando, até que chegara o momento desse mesmo eng. apreciar uma pequena questão, passada nas oficinas da mina e a determinado momento manda chamar ao seu gabinete o nosso tubista e comunica-lhe a decisão de lhe aplicar 20 dias de castigo, ( sem vencimento ) tendo ainda o cuidado de acentuar, que estava a ter em conta, o facto de lhe ter salvo a vida!...
O homem, que tinha vários filhos, lamentava-se com alguma raiva e frustração, por considerar o castigo injusto e desproporcionado, e, por entender, agora, que em devido tempo, deveria ter deixado que o destino se cumprisse, permitindo a queda e a morte do referido engenheiro, enquanto recordava as suas palavras na ocasião do desiquilíbrio :-AH MEU SANTO, SALVASTE - ME A VIDA !...»
Só falta desvendar, que não será por acaso, que este mesmo eng., que apreciava castigar tão severamente os humildes - mesmo a quem lhe salvara a vida - foi o mesmo que mandou calar o meu assobio, e, já muito mais tarde, após o 25 de Abril, viemos a saber um pouco mais:
HAVIA SIDO COMANDANTE DA LEGIÃO PORTUGUESA, NA CLANDESTINIDADE, OU SEJA, SERVIRA O FASCISMO COM MILITÂNCIA!...

2 comentários:

  1. ´Mais um relato de como reconheciam os préstimos que lhe prestavam.
    Prova cabal de que tal como hoje existiam aos montes, aqueles que possuiam um canudo que lhes foi pago em muitos casos com o dinheiro que nós pagamos com os nossos impostos e se julgavam ou julgam senhores absolutistas.
    Nas crivas e nas minas desde os segundos encarregados, até aos capatazes e muitos dos engenheiros eram pessoas que tinham respeito pelos putos das crivas e pelos mineiros, mas aqueles haviam, felizmente que não eram muitos que tinham actuações lamentáveis,mais ao saberem que a muitos dos mineiros sendo chefes de familia não lhes restava outra alternativa terem de engolir, porque caso perdessem o emprego,não haviam alternativas de trabalho minimamente remunerado.
    De momento não me recordo desse fulano, mas não se deve ter ficado por aí, quando estiver com os Amigos Mineiros vou procurar saber que tipo de pessoa era. Mas é por demais evidente que nos dois casos que relatas, deve tratatar-se de uma besta sem pingo de sentimento.
    Abusava do cargo que desempenhava, convencido que era um senhor absoluto com a força do Deus Salazar e seus correligionários.
    Resta acrescentar que o azar desses fulanos estejam onde estiverem devem andar ás voltas com a remorsos, e indignados com as nossas mentes,por elas não terem deixado que se apagassem os bons exemplos, mas também os maus exemplos.
    Exemplo destes não favorece a entidade para quem trabalharam, mas eles no presente momento são mais que a chuva.
    Em muitos locais de trabalho segundo contam a situação é de cortar à faca com a falta de respeito por esses ditos julgados senhores, que não olham a meios na tentiva de conseguirem benesses.
    Mas um ser racional é muito mais que esses parasitas da sociedade.

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  2. Caro Piko,

    os meus parabéns por mais um fantástico texto.
    Para quem, como eu, passou a infância praticamente toda em Germunde (na casa 21 para ser mais preciso) é simplesmente delicioso ler estes pequenos retalhos de história.

    PS: gostaria de entrar em contacto consigo mas não tenho qualquer contacto seu. Quando tiver oportunidade entre em contacto comigo através de pedorido@pedorido.com.

    Abraço,

    PEdorido

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