Continuando ainda nos anos Cinquenta para abordar desta vez o tema da religião, que era na época, ainda é hoje e no futuro ainda promete ser, fonte de profundas divisões e discórdias entre os povos, porque todas as religiões teimam em apresentar-se como detentoras de verdades absolutas e inquestionáveis, gerando-se a partir daqui estados de discussão intermináveis, sem cedência efectiva de nenhuma das partes, originando ódios recíprocos, enquanto que de quando em vez, vamos assistindo a umas quantas invasões, normalmente sem aviso prévio, de modo a inflingir no "inimigo" ataques de uma crueldade e de uma desumanidade, que, fazem, no mínimo, corar de vergonha todos os humanos que já perceberam e aceitam, que o respeito pelos outros é o mínimo exigível que pode e deve ser feito...
Entretanto, voltemos uns anos atrás e a Pedorido para tentarmos perceber como é que a religião era vivida naqueles tempos por pais, filhos e pela restante comunidade.
No final dos anos Quarenta é aqui construída uma igreja nova, muito mais ampla no seu interior, cortando de vez com as capelas exíguas do século XVIII e XIX, optando agora por uma construção de base granítica, que, como se poderá verificar em todo o seu exterior é a garantia de uma robustez que ninguém ousará pôr em causa...
Começamos por clarificar que estamos a falar da religião Católica, aliás, a única que se praticava, não só nesta aldeia, como nas demais aldeias do Couto Mineiro!
De resto, essa questão nem sequer se colocava na época para os responsáveis católicos, que, "jogavam", pensamos nós, com o desconhecimento geral, ao mesmo tempo que tiravam daí o proveito, sabendo, todos nós, como é bem mais fácil conduzir um "rebanho" que não vai levantar questões, se à partida desconhecer que no resto do mundo há povos a seguir outras religiões, umas mais próximas do catolicismo, outras nem por isso e que todas somadas darão um número de vários milhares, se lhe juntarmos as seitas, que, entretanto, não se cansam de aparecer e que também têm arte e engenho para captar adeptos e seguidores!...
É curioso referir aqui que havia uma família que viveria lá para a cidade do Porto e que todos os anos pelo Verão, vinha passar as suas férias para uma casa no lugar do Valpaço e que era conhecida pela "casa dos protestantes" ou ainda por "casa dos maçónicos", mas tudo isto era dito sem rigor algum pelas gentes da terra; a única coisa que podemos afirmar, é que eram pessoas que passavam todo esse tempo de férias dentro dos limites da sua propriedade e que eram muito simpáticas a dizer o bom-dia, ou a boa-tarde, às pessoas que por ali passavam e ficavam-se por aí...
Entretanto, quem dirigia os destinos da igreja, preocupava-se antes do mais em manter activo um programa para todo o ano, que tinha repetição nos seguintes, por forma a "obrigar" todas as famílias a uma ligação militante, desde as missas diárias até às confissões e comunhões mensais, procurando a adesão dos pais e filhos, passando ainda pela catequese, pelas procissões, pelas novenas e com semanas de pregação, efectuadas por abades de outras paróquias, que "batiam " em temas escolhidos a preceito, havendo sempre o cuidado de arrumar dentro da igreja, as mulheres a um lado e os homens a outro, exactamente igual ao que era a prática nas escolas públicas em todo o país!... As semelhanças com os métodos, usados pelo regime político e pela religião católica, eram por demais coincindentes, sonegando não só uma sã formação religiosa às pessoas, como também a falta de informação contribuia com que estas aceitassem como certas todas as "ordens" emanadas do altar!...
Os pais eram assim "educados" a mandar os filhos bem cedo para as cerimónias da igreja, mesmo que ocorressem à noite e que poderiam ir até às vinte e três horas... Só falta clarificar que eram no essencial filhos de mineiros, de barqueiros, de lavradores, de pescadores e de pequenos caseiros, que, juntamente com uma parte significativa de pais e avós - sempre os mais assíduos - eram o suficiente para "arranjar" boas "assistências"!
Mas, apesar do controle efectivo sobre a comunidade, lá vem o dia em que a "coisa" descamba e o impensável acontece... É assim, que numa das novenas de Maio, ali por meados dos anos Cinquenta, quando a rotina "imposta" parecia vingar por mais um dia, surge o inesperado... e que passamos a contar:
« O padre convidado para o sermão daquela noite, já estava há algum tempo a desenvolver o tema que escolhera, utilizando o púlpito adequado e que ficava do lado dos homens - mais uma coincindência - sensivelmente a meio da igreja, quando resolve esplanar uma das suas ideias e perguntar a si próprio mas em voz alta:
... E QUANDO É QUE NÓS MORREMOS? SIM, QUANDO É QUE NÓS MORREMOS?...
Aqui, faz um pequeno compasso de espera e... acto contínuo, uma voz de homem, irrompe da assembleia e de forma célere "dispara" a seguinte resposta:
... QUANDO DEUS NOSSO SENHOR QUISER!...
O pregador "requisitado" para aquela noite, que não esperaria nunca vir a ser interrompido, por uma vez que fosse, acusa a surpresa da intromissão e notou-se algum embaraço, porque vagueou para outras conjecturas, até lá encontrar de novo o rumo que trazia em mente e prosseguir com o sermão, para mais adiante voltar a questionar-se, mas desta vez com uma pergunta muito directa e sobretudo muito incómoda para os católicos:
... E SE NÓS FORMOS PARA O INFERNO?... E SE NÓS FORMOS PARA O INFERNO?..
Aqui a mesma voz e o mesmo homem de instantes atrás, que não havia mudado de lugar nem de posição, responde sem vacilar e de forma decidida:
... DEUS NOSSO SENHOR NOS LIVRE DE LÁ!...
O abade pregador voltou a "acusar" a segunda intromissão, mas duma forma menos surpreendente e foi mais ágil a controlar o embaraço, para voltar a "encontrar-se" e ao sermão que traçara para aquela noite, mas até ao final não ousou formular mais nenhuma pergunta, pensamos nós, para não correr o risco de voltar a ser de novo interrompido por aquele nosso conterrâneo, que além de uma vida difícil dedicada aos barcos e ao rio Douro, sempre deu mostras de alguns conhecimentos bíblicos - caso muito raro na aldeia - e de uma certa "queda", para em momentos "mais inspirados" fazer questão de "oferecê-los" aos seus conterrâneos, fazendo-o por mote próprio e quando lhe aprouvesse, sem nunca cobrar um vintém, imitando as práticas de Cristo de há dois mil anos!...
NOTA: Foi com alguma saudade que trouxemos até este espaço a recordação de um pedoridense simples e honesto, de quem guardamos boas memórias e a quem prestamos uma justa homenagem e que em vida se chamou Agostinho Tavares!
RECORDAR É VIVER DUAS VEZES!
UM ABRAÇO PARA PEDORIDO!
No Seguimento do que temos vindo a assistir ; uma vez mais o autor nos maravilha e, nos leva para uma situação; que ainda hoje existe em muitas casas e, que neste e que pouco ou nada evoluiu, mantendo-se e a imposição de Pais aos filhos continua.
ResponderEliminarSabendo-see seria desejável que todos fossem livres de forma a tomar as suas próprias opções com ligações religiosas ou não.
Desde que me conheço que nunca comunguei de ideias doutrinárias e isso levou-me a passar por situações menos agradáveis, mesmo discriminatórias.
Tenho padres que como homens nutro por eles um carinho enorme.
O Minímo que se pode pedir ao autor é que continue a nos presentear com estas histórias maravilhosas. Adorei:- Mais ainda quando se passa numa Freguesia que me é muito querida.