segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

... Os Rios, o Futebol e outras "rasteirices" humanas...( 2ª Parte )

Naquela tarde domingueira, aquele jogo de futebol amigável em Pedorido, foi o resultado de um ambiente eufórico e de muita satisfação, vivido na vizinha aldeia de Oliveira do Arda, que contagiou não só toda aquela juventude, mas o resto da aldeia, que não sendo tão jovem, aderiram, porque perceberam que numa época tão difícil como aquela, receber "de mão beijada" um equipamento completo, era de se lhe "tirar o chapéu"!... A desinteressada oferta, fora cometida por um emigrante OLIVEIRENSE, que daquela forma, quis fazer uma agradável surpresa, sabendo de antemão do jeito que a oferta iria proporcionar aos jovens da sua aldeia!
O Verão ia sensivelmente a meio daquele saudoso ano de 1958!
Acontece, que na época existia um óptimo relacionamento entre a juventude das duas aldeias e não era só devido à proximidade, mas sobretudo ao convívio diário que mantinham na Carbonífera e que solidificava profundamente as amizades; por todas estas envolvências, o adversário natural só poderia ser Pedorido, que, quando contactado, logo aceitou, tanto mais que o referido jogo iria ser disputado no seu improvisado campo, entre o Arda e o Douro, como era habitual...
Foi das maiores enchentes que ali aconteceram! Era um ambiente de festa, que ultrapassava o jogo em si, e, recordamos, que de Oliveira do Arda veio um apoio extraordinário à sua equipa, como nunca se vira!... Só que as coisas vieram a correr muito mal dentro das quatro linhas e a festa foi estragada, quando já na segunda parte, alguns dos jogadores se envolveram em pancadaria e Pedorido perdia já por 3-2! Este lamentável acontecimento impediria que o jogo chegasse ao fim, restando a consolação de que aquele desaforo não contagiasse os espectadores, que felizmente se mantiveram à margem do problema, abalando calmamente encosta acima, uns para regressar desiludidos a suas casas, outros "desligando" rapidamente e dispondo-se para uma perninha de dança no tal BAILARICO a que já fizemos referência; outros ainda para dar continuidade ao namorico, já que o dia era "ainda uma criança"; uma boa parte dos homens adultos seguia para "encostar" naquelas tabernas tão do seu agrado, onde esperavam encontrar aqueles com quem já era hábito disputar uns jogos de sueca, acompanhados com umas quantas canecas de um tinto verde e carrascão, que costumava deixar as suas marcas no interior do branco da porcelana...
Na semana que se seguiu ao jogo, não faltaram os comentários por toda a aldeia de Pedorido; as críticas eram unânimes à forma como um jogo amigável havia terminado e até alguns, que haviam feito parte da equipa, lamentavam o sucedido, até porque eram amigos, diziam, mas que agora já não havia nada a fazer, que o mal já estava feito, etc, etc,etc.É neste estado de espírito que o assunto é encarado no seio da população, pelas várias tabernas e claro nos mais variados locais de trabalho da Carbonífera; como não podia deixar de ser, o tema chega à barbearia e é ali amplamente discutido e a determinada altura surge a voz de um PEDORIDENSE, que decide tomar uma posição, que apanhou todos de surpresa:
- Não só reprovava o que acontecera no referido jogo, como também não concordava com as lamúrias dos infractores, que era, afinal, uma forma encapotada de se desresponsabilizarem, ao não assumirem a m.... que fizeram; não se podia ficar pelas "meias tintas" e defendia que se devia pedir desculpas públicas ao adversário, - leia-se Oliveira do Arda - convidá-los para novo jogo, para aí "acertar todas as agulhas" e assim restabelecer perante os dois públicos, a amizade que sempre existira entre povos vizinhos; ao mesmo tempo defendia, que era necessário fazer uma profunda remodelação na equipa de Pedorido, convocando outros jogadores, porque na sua opinião, havia que disciplinar e não premiar infractores!
Passou-se de imediato à acção e os Oliveirenses aceitaram as desculpas e aceitaram também fazer segundo jogo, que em pouco tempo foi levado à prática no mesmo terreno de jogo, ou seja, nas CONCAS.
O segundo encontro decorreu sem incidentes; Pedorido venceu com naturalidade por 5-1, utilizando uma equipa que muitos consideraram como sendo uma equipa de segunda, mas que cumpriu os objectivos a que se propôs!
Passados tantos anos é mais que justo, divulgar que o Pedoridense que esteve na origem desta bela atitude, que "deu a cara" e "meteu mãos à obra", retirando da lama o nome da terra que o vira nascer, chamava-se JOSÉ, era barbeiro de profissão e naquela tarde foi ao ponto de se equipar para capitanear a equipa, não fosse "o diabo tecê-las"...
Posteriormente a estes acontecimentos e quando na mesma BARBEARIA, onde em boa hora se havia feito luz, recordávamos estes factos e suas peripécias em que o "capitão" para um jogo e apenas por precaução, afirmava convicto:-« Fui para dentro do campo comandar aquela equipa, convencido de que era o jogador mais fraco e tenho consciência de que fui o responsável do golo que sofremos, quando já ganhávamos por 5-0...».
O"capitão" não era inocente e com os seus trinta e pico anos, sabia que na aldeia havia bons jogadores de futebol, só que eram traídos pela falta de maturidade, coisa que a ele não faltava... e demonstrara-o naquela disputa provocada pelo padre da paróquia, se bem se recordam...
Agora à distância, recordamos tais acontecimentos com muita saudade e apreciamos como foi bela, generosa e futurista, a atitude do ZÉ MARANTA, que teve ainda o sabor da humildade e do desprendimento, porque sabia que nada iria receber como contrapartida, como foi o caso!...

Moral da história: Só podemos dar aquilo que temos dentro de nós!... E quem nada tiver, nada poderá dar!

O nosso barbeiro, não mais voltou a envergar a camisola do clube da sua aldeia, nem mesmo para a capitanear e toda a gente percebeu, que só o fez naquele jogo, por uma questão de carácter e da dívida, que todos temos, para com a terra que nos vê nascer e à qual pertencemos até ao fim!


OBRIGADO "CAPITÃO"! OBRIGADO ZÉ!

RECORDAR É VIVER DUASVEZES!

UM GRANDE ABRAÇO PARA PEDORIDO E PARA OLIVEIRA DO ARDA!

2 comentários:

  1. Percebe-se o sentimento do autor ao relatar um acontecimento que ocorreu há mais de cinquenta anos. Era frequente as escaramuças em jogos de futebol e bailaricos, mas era tudo emoção temperamental de ocasião, passadas umas horas e muitas das vezes apenas uns escassos minutos (quando não acontecia de imediato agarrarem-se e chorarem juntos) e tudo estava bem. As pessoas não guardavam ressentimentos, as desculpas eram aceites. O nosso bom barbeiro deu um exemplo dignificante. Aliás a maioria desta classe era bons conselheiros e mereciam a confiança dos seus clientes. Sabiam como ninguém que a melhor forma de educar, não era dar exemplos: Mas sim a única. Se já partiu esteja onde estiver este reconhecimento perdura.Agradeço ao narrador da história, por também tratar o assunto e certamente contribuirá para uma sã reflexão dos Jovens actuais. São os homens do amanhã. Seguramente nos reconhecerão estes exemplos.
    A maturidade muitas das vezes é responsável
    O Idoso, um armazem de sabedoria.
    Quem ama a sua Terra defende sempre o seu bom nome.
    O Povo de Pedorido sempre foi hospitaleiro, que o digam os Mineiros e Barqueiros.
    Um Abraço a todos e saudades.

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  2. Agradeço ao Autor do Blogue a oportunidade que me proporcionou para recordar os tempos maravilhosos que nessa linda Freguesia passei e a qual atravesso de quinze em quinze dias rumo a Folgoso. A melhor sorte do Mundo e muita força. Um desfio que escreva mais, mais e muito mais. Nós cá estamos para lêr e recordar. Obrtigado

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