quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

..Os Rios, o Futebol e outras "rasteirices" humanas... ( 1ª parte )

Os meses de Verão, nos anos de Cinquenta e Sessenta, proporcionavam uma mais intensa actividade no futebol amador, entre as aldeias vizinhas.
Em Pedorido, não se fugia à regra e ali mesmo, onde o Arda terminava o seu percurso, surgia aquele tapete de lodo já solidificado, aqui e ali com alguma grama, transformado em campo de futebol; este pequeno espaço, mesmo encostado ao areal, era como que o resultado natural do afastamento do caudal do Douro, empurrado pela seca às fragas da Penela, ali mesmo em frente, na margem direita, deixando a descoberto um extenso areal do lado do Arda e que causava todo aquele encanto e um belo contraste, com o tão apreciado Choupal das Concas, onde também sobressaíam as nogueiras e os castanheiros, árvores quase centenárias, que convidavam ao passeio e ao desfrute duma beleza tão natural, que faziam daquele espaço, o mais romântico da aldeia e nem se conhecia nas aldeias mais próximas, outro local que rivalizasse sequer com a sua beleza!
Claro, que nem todos ocupavam as tardes desses já longínquos domingos da mesma forma!...
A maior parte assistia entusiasmada à renhida partida de futebol, colocando-se estrategicamente num ponto ligeiramente elevado, ali mesmo em cima do acontecimento e de costas para o Choupal, não tirando os olhos do que ia acontecendo no improvisado campo e podendo ainda mirar todo o movimento de automóveis, que na marginal da outra banda começara a ter bastante significado, aos fins de semana, a partir de meados dos anos Cinquenta!
Isto quereria significar que as gentes do Porto, Gaia e outras, descobriam finalmente, o interesse que as zonas ribeirinhas do Douro representavam para as suas horas de lazer e que passava a ser mais uma alternativa às suas praias atlânticas; ali na aldeia, havia quem não prescindisse da pesca no Grande Rio, nem que domingo fosse, era como que uma outra paixão, que desde miúdos alimentavam e que só por morte, ou por outra razão de força maior seriam capazes de pôr de lado; não seria um simples jogo de futebol, mesmo que um dos sobrinhos alinhasse pela equipa da sua aldeia, uma razão forte para o desviar daquela tarefa domingueira, até porque mesmo antes da noite, teria todas as informações acerca do resultado e das peripécias, que sempre acontecem nestes jogos entre equipas vizinhas; os pequenos lavradores, normalmente, optavam pela ida ao futebol, mas não prescindiam de uma passagem por algum dos bocados de terra, que ora ficava na ribeira do Arda, ora no alto da Parada, ou até lá para os lados do Picão; os mineiros eram assíduos, pouco faltosos e vibravam com as jogadas dos miúdos mais habilidosos, aliás, parte da equipa era composta por mineiros que desde muito novos não deixaram de comparecer no velhinho campo de saibro, lá na fronteira com a Póvoa, maravilhados com a técnica e o saber do velhinho húngaro Zanos Zorgo, que aqui relembramos!...
Os pares de namorados tinham nas tardes de domingo o ponto mais alto da semana e havia que aproveitar bem o tempo! Havia mesmo quem utilizasse as travessias de barco, na esperança de encontrar na outra margem, o amor que ainda não tinha vislumbrado na sua querida aldeia, enquanto que outros namoros já mais sólidos, também optavam pela mudança de ares, fazendo a travessia do Douro, para desfrutar de todo aquele cenário que o rio proporcionava, ao mesmo tempo que usufruiam duma outra liberdade e de um à vontade, que nem sempre era conseguido nas suas aldeias!
As Concas ganhavam na preferência dos jovens casalinhos e as razões estavam à vista:- Era um local muito acolhedor e um espaço onde se respirava um certo romantismo e que beneficiava de temperaturas amenas no pico do Verão, em resultado do arvoredo de que já falamos, mas também indo beneficiar e muito de toda aquela envolvência que o Arda e o Douro lhe transmitiam!...
Era certo e sabido, que assim que terminasse o jogo de futebol, os promotores habituais dos bailaricos arrancavam cá em cima, junto da velha serração, com o reportório, que sendo já conhecido, servia de suporte e chamamento às danças habituais e que naquele dia só atrasaram umas horas devido ao futebol; o jogo agora já era outro e os intervenientes mudaram radicalmente e o futebol passara à história... O acordeão, a viola e o minúsculo cavaquinho não davam tréguas e se no início eram três ou quatro pares de dançarinos, logo que a multidão atingia o local do bailarico, o número de pares multiplicava-se e por consequência a roda alargava o suficiente para dar espaço ao vira do Minho, que nem a propósito " obrigava " toda aquela juventude a um ritmo endiabrado e ninguém queria "ficar mal na fotografia"... A apreciar este cenário, por fora, apareciam sempre alguns mais idosos, homens e mulheres, como que a matar saudades dos tempos da sua juventude e que entretanto passara, mas que deixou as marcas de alguma saudade!... Assim que começasse a debandada dos dançarinos, o baile era encerrado, mas ficava prometido pelos músicos amadores, que voltariam no domingo próximo e seguintes...

Tudo quanto narramos até aqui inseria-se perfeitamente dentro dos padrões que na época se pautavam pela sã convivência e pelo respeito que coexistiam no seio deste tipo de sociedades trabalhadoras e pacíficas, para quem o dia a dia não era "pera doce", mas que suportavam com muita dignidade! O domingo era como que a compensação mínima de semanas laboriosas e de uma certa desumanização, uma vez que se tratava de trabalhos duros e de alguma violência física, quer se tratasse nas minas em Germunde ou no Fojo, ou mesmo na agricultura de subsistência em todas as aldeias do Couto Mineiro.
Mas como "uma desgraça nunca vem só", esta linda aldeia na foz do Arda, vivia um outro tormento, que corroía as suas entranhas e lhe ia retirando, lenta mas continuadamente, a dignidade que fazia parte da sua matriz; tudo isto tivera origem num plano orquestrado pela cabeça de um padre, que após ser bem acolhido pela paróquia, resolvera nomear-se como que o "controleiro" da vida privada de toda a gente humilde, infernizando pela "calada" a vida de muitas pessoas... Apenas escapavam ao controle os mais abastados e que na época eram escassos!...
Por aqui ficamos a perceber, que a espionagem ao serviço do abade tivera que redobrar de atenção naquela já longínqua tarde de domingo, em que a juventude da aldeia estivera particularmente activa em várias frentes:- a) Primeiro, porque o futebol mobilizara uma pequena multidão e as multidões complicam, criam até embaraço e despistam espiões com alguma experiência... b) Segundo, porque o bailarico poderia dar lugar a situações bastante "criativas" e por isso mesmo de muito interesse para a causa a que consciente ou inconscientemente aderiram; c) Terceiro, porque a dispersão dos pares de namorados era grande e a juntar a tais dificuldades, ainda poderiam perder de vista aqueles pares, que, em devido tempo, haviam passado de barco para a outra margem e a quem não queriam perder o rasto, de modo algum...
À primeira vista, todo este emaranhado de situações resultariam num cenário complicado para espiões "amadores", mas tinham que se desunhar, para, logo que possível, levar até ao "chefe", senão todas, pelo menos as últimas informações, que actualizariam os casos que vinham a ser seguidos e que de forma alguma poderiam ficar em branco, numa tarde tão rica em movimentações!...
Sabia-se que do futebol não vinha o mal ao mundo, apenas poderia dar aso a umas entradas mais violentas, ou a uns palavrões que ofendiam não o próprio, mas algum familiar de que se gosta muito, mas no geral não passava disso; mas os "espias" tinham que ter "cuidados" redobrados, porque podia dar oportunidade para outros "encontros", porventura mais amorosos e aquele abade convivia muito mal com os AMORES dos humildes, que, embora o fossem, afinal, também tinham todo o direito à FELICIDADE! Ou será que NÃO?!
O grande problema é que aquela boa gente estava a ser controlada pelo Fascismo, numa "santa" aliança com uma Igreja milenar, mas que se deixara enredar pelos interesses mesquinhos de pessoas sem escrúpulos, que da capital tratavam do País como se fora uma sua QUINTA!
Esqueceu-se essa gentinha dum pequeno mas importante pormenor: - NUNCA SERÁ FÁCIL DOMINAR UM POVO COM MAIS DE OITOCENTOS ANOS DE HISTÓRIA!!!!

1 comentário:

  1. Devo penitenciar-me e lamentar porque andei distraído tanto tempo sem me ter apercebido do talento e amor que dedica à terra que o viu nascer e àquela em que cresceu. Sabendo que Rio Mau, foi um lugar que pertenceu à Freguesia de Santa Eulália de Pedorido, não surpreende que quem nasce em qualquer dos lados nutra pelos dois o mesmo amor, já que diáriamente avistammos as duas e o convívio era permanente, fosse pelos trabalhos nas Minas, ou na Pesca no Areio de Pedorido. Obrigado pelo magnifico trabalho e muita força esperamos mais. Somos gente de uma Geração de Ouro. Um Abraço com amor o mesmo que dedicamos ao nosso rio e às nossa terras.Até

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