O Douro serpenteava por todo aquele vale depois de uma caminhada longínqua, dizia-se que de Espanha, mas fará hoje sentido pensar que grande parte das gentes ribeirinhas não teria uma ideia real das distâncias, nem conheceria outras pequenas parcelas do país a que pertencia, porque estavam todos muito ocupados numa luta diária pela sobrevivência deles e dos filhos, movimentando-se a pé ou de barco ou então conduzindo a junta de bois no rumo já habitual, com as tarefas que se tornavam já rotineiras de servir uma agricultura de subsistência e que nunca haveria de evoluir para outro melhor escalão!... Qual era o pescador do Douro, o lavrador, o barqueiro ou o mineiro que nas décadas de Trinta, Quarenta, Cinquenta e até Sessenta tinha condições para viajar e conhecer o SEU RIO até Barca d'Alba ou mesmo até à Régua?!...
Os barcos, todos os barcos eram feitos a pensar no trabalho para a sobrevivência deste povo vizinho do Grande Rio e na época nenhum barco era feito a pensar no lazer!.. Este pequeno barco desta minha curta história, não teria mais de cinco, seis metros de comprimento por dois de largura-apelidado de valboeiro- era utilizado para dois fins específicos: para todo o tipo de pescado de acordo com cada época sazonal e também era usado para a travessia de todas as pessoas que diàriamente, quer chovesse, quer fizesse sol, necessitavam deste transporte para chegar até um trabalho, num dos muitos que as minas de carvão ofereciam e que por vezes eram bem duros, bem como para outro tipo de objectivos que só era possível encontrar na outra margem, ou simplesmente porque havia um regular contacto entre as gentes das duas margens e que por via disso se conheciam muito bem... Porque as minas laboravam na margem esquerda e foram durante muitas décadas o maior empregador nesta vasta zona do Douro, acontecia que a maior clientela vinha da margem direita e o funcionamento destas travessias começava logo pelas seis, sete horas da manhã, durava todo o dia e prolongava-se pela noite dentro, porque os mineiros revezavam-se por dois turnos. Era muito habitual ver na travessia do Remoinho em Rio Mau, para lá da meia-noite, os pretendentes à travessia movimentarem a luz dos seus gasómetros da outra margem do rio, "chamamento" que se tornara um hábito a que os barqueiros de serviço correspondiam, tanto mais que quem aguardava na margem oposta não tinha comodidade alguma naquele ermo inclinado para o Douro... Nem um banco, nem um abrigo que fosse e porque regressavam de um trabalho árduo das minas, teriam ainda de aguardar cerca de vinte ou mesmo trinta minutos, até que o pequeno e ligeiro barco ali aportasse, para uma travessia que iria durar um tempo equivalente ao da espera, porque no rigor do Inverno e com mau tempo, não era" pera doce" ter de atravessá-lo nos dois sentidos e com o caudal na sua largura máxima! Eram pessoas audaciosas e de personalidade vincada, de não virarem a cara às grandes dificuldades, estas mulheres e homens que se fizeram barqueiros do Douro!...
É mais que justo neste preciso momento lembrar aqui duas mulheres de Rio Mau que durante anos e anos se dedicaram à difícil tarefa de "barqueiras" na travessia do Remoinho em Rio Mau, utilizando aquele pequeno barco e levando sempre a bom porto os muitos interessados em mudarem da margem direita para a margem esquerda e vice-versa! Já não me recordo dos seus nomes, só sei que seriam irmãs, que vestiam sempre de preto ( nunca lhes conheci outra roupa) e que chegaram ao ponto de salvar algumas vidas humanas, porque com tanta utilização do rio era quase inevitável os acidentes não se darem... O autor desta curta história também chegou a ser engolido pelas águas do Douro, bem lá para o meio do caudaloso rio, quando tinha cinco anos apenas e foi uma dessas duas irmãs, que me retirou duma morte mais que certa, apenas com uma das mãos e assim que apareci pela primeira vez à superfície, depois do aparatoso mergulho, porque me desiquilibrei do pequeno barco em movimento... Entretanto, já passaram mais de sessenta anos sobre tão triste episódio e que aqui registo, ao mesmo tempo que entendo ser meu dever dar a conhecer a fibra e a coragem destas duas mulheres, que se adaptaram duma forma notável a um trabalho difícil e de muito desgaste, prontas a decidir e a resolver qualquer problema que a profissão ou o próprio rio lhes viesse a colocar. Aqui deixo a minha singela homenagem e o meu profundo respeito, para com estas duas mulheres simples e que é justo aqui recordar!
Ao entrar na década de Cinquenta a minha família mudou-se para a outra margem e já a morar em Pedorido perdi o contacto com as "barqueiras" referidas na história, mas do outro lado do rio continuei atento e a ver com regularidade o mesmo desempenho das duas mulheres de negro, ora a caminho da margem esquerda, ora no sentido inverso... Aquele pequeno barco que parecia ser ainda o mesmo de anos atrás, movimentava-se como um pêndulo, da mesma forma de tempos idos e parecia deslizar pelos mesmos espaços e até as águas pareciam as mesmas!... Resta saber se as forças que imprimiam aos remos continuavam iguais, mas à distância notava-se que a personalidade e o empenho moravam ainda intactas naquelas criaturas... Duas grandes mulheres e mais dois bons exemplos que o Douro ajudou a descobrir!
Um grande abraço para Rio Mau!
Outro igualzinho para Pedorido!
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