Se fizer uma retrospectiva aos anos SESSENTA e recuando mesmo até finais dos anos QUARENTA, ou seja, àquele período pós 2ª guerra mundial ( anos de 1948, 1949, 1950 e seguintes) fico com a nítida impressão de ter vivido em países diferentes, o que não foi o caso... Estávamos no mesmo país, apenas o Douro separava estas duas localidades e era a fronteira natural, como ainda hoje é. Curiosamente, a religião era a mesma, com uma ligeira diferença, que não acrescentava nem tirava nada ao caso:- A aldeia da margem direita exibia uma pequena e humilde capela, enquanto na aldeia da outra margem era notório a imponência, pelo menos no exterior, de uma igreja nova, ali bem junto do rio, contrastando, de facto, com todas as freguesias e aldeias de todo o Couto Mineiro; esqueceram-se, sòmente, o mentor ou mentores de tal projecto, na ocasião, de um pormenor que lhes terá escapado, ou não; estou, naturalmente, a referir-me ao cemitério, que, mesmo ali ao lado, ficou como que o parente pobre de toda esta história e a marcar, talvez, até aos nossos dias, a falta de rigor e até de respeito para com a memória dos que nos antecedem! É curioso assinalar que na aldeia da outra margem, onde a capela era mais pequena e humilde, existia também um cemitério, mas que mantinha quase que uma perfeita harmonia com o meio envolvente, e que não se sobrepunha, nem diminuia à referida capela.
Sem pretender ser rigoroso porque tinha seis e sete anos, retive, alguns dados de alguma vivência nessa pequena aldeia, no sopé da Serra da Boneca, que, por ser pequena, nós os miúdos, corriamo-la duma ponta à outra... E, por ter sido assim, recordo que num dos limites da aldeia morava um homem com alguma idade e a quem chamavam Padre Manel; quero acreditar, que uma das ruas que hoje tem o nome de PADRE MANUEL, terá a ver com a mesma figura do homem que conheci em miúdo... Recordo, perfeitamente, que a estrada marginal era novinha em folha e com muito pouco trânsito, e, talvez por isso, a miudagem da aldeia jogava ali amiudadas vezes à bola e um pouco mais acima ficava a tal moradia do padre Manuel, e, creio que, mesmo ao lado, existia uma oficina, penso que de carpintaria, onde regularmente trabalhavam o referido abade, com cerca de meia dúzia de colaboradores, todos do pequeno lugar e que se dedicavam ao fabrico de colmeias.
Fiquei com a ideia de que este homem da igreja católica repartia a sua vida por estas duas funções, ou seja, como padre da pequena paróquia de Rio Mau e como profissional, ou artesão, na área da indústria do mel. Esta dupla actividade num padre, marcou-me muito positivamente pela vida fora, por considerar um bom exemplo de cidadania e que nunca mais me foi proporcionado ver!... Depois, fiquei ainda com a ideia bastante vincada, de que nos últimos anos da década de QUARENTA, Rio Mau tinha uma comunidade que vivia uma certa paz, bastante unida e que deixava transparecer uma boa disposição e até uma certa alegria, muito embora a vida das pessoas não fosse nada fácil! Não temos dados para garantir que foi tudo obra do padre Manuel, mas não nos custa admitir que também terá contribuido e muito para esta coesão como povo, porque de seguida a mesma igreja " lançou " outro tipo de padres, mais profissionais, sem duplas tarefas e isso pode ter feito a diferença!... Claro que nessas novas "fornadas " de padres também apareceu uma ou outra excepção; há sempre excepções em tudo, mas é terrível ter de assistir e suportar na nossa juventude, a atitudes continuadas de abuso de poder sobre povos, sobretudo sobre os mais humildes, que só mereciam ser compreendidos e ajudados a libertarem-se de uma cruz pesadíssima , que já vinha muito de trás, soubemo-lo mais tarde... Devo admitir que aprendi muito mais até aos sete anos com um velho padre que até nem falaria muito, mas que uniu e não dividiu e que deu como exemplo o trabalho honesto e continuado!
Temos por hábito em Portugal, procurar no estrangeiro os provérbios que nos costumam dar a inspiração para os bons exemplos, que achamos conveniente escutar e se possível seguir; estou a lembrar-me do provérbio chinês « Se o teu semelhante tiver fome não lhe dês o peixe que pescaste, ensina-o antes a pescar». Se estivéssemos mais atentos, não necessitávamos de ir tão longe buscar bons exemplos; temos aqui, mesmo à mão de semear, o exemplo do magnífico padre Manuel, que viveu e deixou obra de valor e de futuro em Rio Mau! Já agora, porque não se divulga aos mais jovens quem era este bondoso homem, como viveu e os exemplos que deixou e que ainda hoje estão a ser seguidos?! Se a igreja não o faz, porque não é levado a cabo pela Junta, pela Câmara ou mesmo por outras entidades públicas ou privadas? Dir-se-á que foi há muito tempo, mas que eu saiba os bons exemplos nunca passam de moda, porque são pedagógicos!...
Contava-se que o "nosso" homem dizia, sabiamente, a propósito das guerrinhas que iam acontecendo um pouco pelo mundo fora e que os jornais e a rádio ( não havia televisão! ) faziam chegar ao público:« ISTO COMEÇOU MAL, VAI ACABAR MAL!», desabafava em jeito de profecia...
Esta frase, diz-nos muito, e, diz-nos, sobretudo, uma coisa que não engana:- Era um homem de paz e que temia que os humanos nunca aprendessem com os erros da História e não arrepiassem caminho... Está tudo tão actual, relativamente a esse tema, que ainda hoje podemos perguntar:
«... SERÁ QUE NÃO VAI ACABAR MAL?!... »
Enquanto que em Rio Mau se vivia esta saudável realidade, na aldeia de Pedorido quase nada era comparável!... E porquê, se até teria as condições objectivas que Rio Mau não tinha?!
Vamos já ver porquê:-Vivia-se o período áureo da Carbonífera e Pedorido era o centro nevrálgico do Couto Mineiro! Pode-se mesmo afirmar, que embora a vila de Castelo de Paiva fosse a sede do Concelho, do ponto de vista financeiro a freguesia mais periférica ocupava o centro de decisão, por ser ali que pontificava a maior empresa e a que gerava mais riqueza!... Então o que faltava a Pedorido para que na próspera década de CINQUENTA, este povo não tivesse os níveis de felicidade que no dia a dia usufruia o povo de Rio Mau?! Naturalmente que as razões seriam várias e duvido que todas venham a ser conhecidas, mas uma das razões é segura e os factos comprovam-no:- À frente daquela paróquia havia sido colocada uma figura, que do ponto de vista humano, era como que o oposto do padre Manuel e que se preocupou no fundamental, em utilizar no dia a dia, a "velha" mas sempre muito utilizada fórmula « DIVIDIR PARA REINAR»!... Na época, a igreja católica tinha um peso ENORME sobre a vida das pessoas e o padre poderia desiquilibrar a balança; era como que a arma de dois gumes e aquela gente teve a infelicidade que não merecia; os factos são de uma evidência tal, que só uma grande aliança política entre o regime e a chefia daquela paróquia, explicam a vergonha com que impunemente se perseguia os mais humildes, utilizando processos e atitudes, que, ainda hoje, só de recordá-los, causam profundo mal estar nos cidadãos mais rigorosos no respeito pelo seu semelhante, sendo o desaforo ainda mais grave, se o desrespeito for cometido contra pessoas simples, que não conhecendo os seus direitos se tornam presas fáceis; mas, também é verdade, que os povos podem não ser muito cultos do ponto de vista académico, mas acabam sempre, mas sempre, por perceber quando foram ludibriados e usados e a "vingança" poderá tardar, mas não irá faltar:
-Em Rio Mau fala-se muitas vezes no padre Manuel e relembra-se o que fez de bom por aquela GENTE e como não se entenderia de outra forma, resolveram e bem, dar o seu nome a uma das ruas da aldeia! Foi um gesto nobre e bonito, que dignifica este povo!...
Na aldeia da outra margem do Douro, não se ouve nunca falar do tal padre que se esforçou tanto em dividir em vez de unir, nem conheço que tenham dado o seu nome a uma das ruas de Pedorido, e, nem nos blogs, o seu nome foi uma vez sequer citado...
CÁ SE FAZEM... CÁ SE PAGAM!E convém nunca esquecer, para bem nosso, que o padre Manuel que viveu em Rio Mau e ali deixou bons exemplos e que ainda hoje perduram, já utilizava a inteligência e a paciência para ensinar os paroquianos a "pescar"! Ah, e muito importante, não era da CHINA!
Que pena, um Rio tão poderoso como o DOURO, não ter podido intervir e repôr também em Pedorido os níveis de felicidade que eram vividos pelas gentes de Rio Mau?!...
Afinal, os Rios não podem fazer o que só aos humanos compete!... E foi uma pena, UMA GRANDE PENA, porque naquela época as gentes de Pedorido, viviam, como que descaracterizadas, assim como numa espécie de hibernação humana!... E foi duro, porque doeu muito, e, pior ainda, deixou marcas nas gentes mais humildes da aldeia!
UM GRANDE ABRAÇO PARA PEDORIDO E RIO-MAU!
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