segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

... CASCA-LHES S. DOMINGOS!... CASCA-LHES...

A linda aldeia de Oliveira do Arda no sopé da "serra" de S. Domingos tinha um posicionamento natural, em forma de V, adaptando-se quase na perfeição ao formato que o Douro e o Arda desenharam, ao rasgar aqueles dois vales que iriam servir de leito para as suas águas de milhões de anos, e, que, se repararmos, em muito se assemelha à postura física da sua vizinha e linda aldeia de Rio Mau, no sopé da Boneca, mas com a diferença desta se encontrar na margem oposta do grande Rio Douro... que desliza lá bem no fundo, muito encostado por todo o Verão às terras paivenses e deixando bem a descoberto aquele imenso areio d' Hortos ao longo de toda a margem direita, por muitos considerado o maior areal do Douro e que os Oliveirenses tinham o previlégio de observar na sua real dimensão, e, assistir, se assim o entendessem, aos vários processos de trabalho que ali se desenrolavam, de segunda a sábado, a começar pela retirada continuada de areias e godos, através de camions que desde manhã até até ao final do dia, efectuavam num vai-vem constante pela marginal até Sebolido, para aí "cortar," até atingir o grande Areal, para depois abastecer parte de todo aquele frenesim imobiliário, em que se tornara todo o litoral nortenho, a partir das décadas de Cinquenta e Sessenta; por vezes, e, em simultâneo, dependendo da época do ano, decorriam as tarefas piscatórias, em especial do sável e da lampreia, que em nada colidiam com as extracções das areias, embora não nos custe a admitir, que os pescadores olhassem aquela outra tarefa como uma "intromissão," que em outros tempos nunca acontecera, e, porque, também não lhes agradaria nem um pouco, ver todas aquelas irregularidades e os grandes buracos, que aquele tipo de exploração ia deixando ao longo daquele grande e belo areal, que, quase formava uma meia lua nos meses do ano em que o Estio primava por secas prolongadas; também era verdade que a "violência" das primeiras cheias lá para as proximidades do Inverno, iria repôr a ordem em todo o areal, corrigindo, este e outros erros, que os humanos sempre foram peritos em cometer.
Desconhecemos se existia alguma actividade piscatória no Douro e mesmo no Arda por parte de alguns Oliveirenses, mas acreditamos que isso terá acontecido, uma vez que os vizinhos de Pedorido, Rio Mau, Cancelos e outros, tiravam partido sazonal e das mais variadas formas na captura das muitas espécies em que o Douro era fértil, valorizadas ainda porque se tratava de peixes de água doce, uma vez que as marés mais atrevidas do Atlântico, só se "atreviam" no máximo até Melres, sendo esta a razão única, porque o sável tinha um valor de qualidade e comercial superior, caso fosse capturado nos areios a montante, estamos a falar do areal de Pedorido, d'Hortos e outros...

Acontece, que todos os anos em Oliveira do Arda nos meses de Agosto e Setembro as festas em honra de S. Domingos e da S.ra das Amoras, atraíam milhares e milhares de pessoas, autênticas romarias vindas dos mais variados povoados em redor, mas também de terras distantes, dos concelhos da Feira e Gaia e até de Penafiel e Gondomar!... Este mar de gente, deslocava-se sobretudo a pé, utilizando ainda autocarros, automóveis e bicicletas, muitas bicicletas, num frenesim pouco comum nas gentes portuguesas, que parecia ter esperado sem paciência todo o tempo que medeia aquelas datas, em especial quando se festejava a S.ra das Amoras, que era encarada como uma romaria, enquanto que pelo S. Domingos estava ainda em causa um rol imenso de promessas e que as pessoas de corpo inteiro, ali bem no alto, procuravam satisfazer, procurando a ajuda, se fosse caso disso, de familiares ou amigos, quando se tratava de promessas que exigissem grande esforço físico e porque o calor apertava naquele tórrido mês de Agosto!...
Para que tenhamos uma ideia da repercussão destas festas, era comum ver alguns dos melhores ciclistas portugueses, como eram os casos de Sousa Cardoso e Mário Silva, a trepar nas suas bicicletas por aquela íngreme subida de S. Domingos e completamente dissolvidos naquela desordenada onda humana, que estava prestes a superar a parte mais curta e mais difícil duma jornada, que, em muitos casos, já durava há várias horas... Claro, que aqueles ciclistas vinham numa outra missão, já que a Volta a Portugal estava por dias, e, é de crer, que estariam a dar os retoques finais numa forma já muito apurada e que se notava pela facilidade com que "engoliam" tão duras subidas... Estes dois ciclistas, faziam parte do grupo dos melhores roladores e trepadores nacionais daqueles saudosos tempos!

Entretanto, as várias travessias no Douro, utilizando o amigo e inseparável VALBOEIRO, não tinham "parança", para com a maior ligeireza possível, trazer da margem direita toda aquela gente, que, não se conformava só em ouvir o chamamento dos foguetes e os acordes de bandas e alti-falantes dos grandes arraiais, que não deixavam sossegar os espíritos de quem é jovem ou ainda tem esse espírito, e, que, os vales, servindo-se dos ventos, se prontificavam em conduzir todos aqueles efeitos festivos pelas encostas mais vizinhas, atingindo não só estradas, caminhos e carreiros, mas também os montes, hortas e todo o casario por mais simples e desordenado, onde em última instância iria penetrar a mensagem e o convite generalizado, sem distinções; de resto estas datas eram sobejamente conhecidas, diríamos que de cor, pelos povos das redondezas e mesmo de gentes afastadas, por se tratar de romarias e tradições que vêm de muitas centenas de anos e que passam de geração em geração...
Cada povo usa a crença e a diversão à sua maneira e cremos que foi sempre assim desde a Pré-História até aos nossos dias!...
Recordo-me que em Pedorido, todos os anos pela S.ra das Amoras, um número razoável de Pedoridenses, colocava-se na N 222, mesmo junto do cemitério e de costas para o rio Douro, para assistir sorridente e divertido ao "triste" espectáculo, que lhes era "oferecido", gratuitamente, por muitos populares montando pasteleiras, vindos das bandas da Feira e, que, regra geral, não conseguiam passar com sucesso aqueles dois carris, por onde, diariamente, circulavam os vagons da Carbonífera, originando quedas de enorme aparato e sem consequências, pelo menos na ocasião, uma vez que voltavam a montar rumo a Oliveira do Arda e sem um queixume sequer... O objectivo estava quase a ser alcançado e não ia ser uma queda que iria impedir a concretização de um sonho que durava há um ano e em alguns casos há vários...

Voltando ao S. Domingos e à festa bem lá no alto, é de assinalar que serão várias as razões, porque ficamos com recordações que se perpetuaram no tempo e que teimosamente persistem no nosso consciente, porque festas haverá com certeza muitas, mas aquela tinha um lugar de distinção, porque, ali, éramos como que convidados a reflectir muito seriamente sobre quem somos e qual o nosso papel neste nosso planeta, talvez, porque não estejamos muito habituados a viver regularmente nas altitudes e isso nos deixe pouco à vontade, e, essa ocasião sublime, leva-nos a que questionemos certas atitudes, por um lado, enquanto que por outro, ficamos sem palavras, ao descobrir a grandeza do horizonte por onde quer que apontemos o nosso olhar e isso assusta, porque nos transmite pequenez e insegurança...

Antes de terminar quero aqui contar-vos uma história passada numa dessas festas a S. Domingos, ainda na década de cinquenta:
- A meio da tarde desse domingo festivo, o padre convidado dava início ao sermão em honra do Santo, respeitando assim o horário, independentemente dos poucos assistentes, algumas dezenas, muito embora se tratasse duma pequena capela, mesmo assim notava-se que a afluência dos fiéis era escassa; naturalmente, que no exterior uma enorme multidão divertia-se à sua maneira, salvaguardando os muitos casos de devotos que se sucediam nas voltas à referida capela, cumprindo assim uma parte da promessa ao S. Domingos, porque, regra geral, a outra parte da promessa, dizia respeito a uma pequena quantia em dinheiro a que ninguém tinha acesso, depositada em local apropriado; num curto espaço de tempo, dá-se uma reviravolta no estado do mesmo e a bela tarde por todos saboreada, vê-se transformada num abrir e fechar de olhos, com o desaparecimento do sol, o surgir de nuvens negras acompanhadas de trovoada e a consequente chuva torrencial, que, iria apanhar todo o arraial desprevenido... Ninguém estava à espera, ninguém estava preparado e só havia ali no ponto mais alto da serra um bom refúgio para acudir a tão grande emergência: A CAPELA DE S. DOMINGOS... Todo o arraial pensou o mesmo e a minúscula capela de repente terá registado a maior enchente de que havia memória, mas só uma pequena parte dos romeiros pôde abrigar-se, ocupando tudo quanto era espaço, enquanto o nosso abade percebendo o motivo da forte afluência dos "fiéis," deixa de lado, por alguns momentos, o rumo do seu elaborado sermão, para duma forma contundente mostrar toda a sua solidariedade com a intempérie, ao mesmo tempo que gesticulava e gritava a frase que encontrou como a mais adequada à situação, na esperança, pensamos nós, de vir a ser atendido pelo Santo em mais um dos seus milagres:

«CASCA-LHES S. DOMINGOS!... CASCA-LHES S. DOMINGOS!...»

Aquele abade não resistiu à tentação humana, diríamos quase primária, de mostrar o seu desagrado por método pouco ortodoxo, fruto da grande influência das histórias bíblicas, em especial do velho testamento, muitas delas carregadas por um simbolismo castigador e decisório e, que, continuam, mesmo no nosso tempo, a causar inflamados debates, e, sobretudo, a originar múltiplas interpretações!

Como diria alguém:- É A VIDA!...

UM GRANDE ABRAÇO PARA A LINDA E BELA OLIVEIRA DO ARDA!

RECORDAR É VIVER DUAS VEZES!

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

... Os Rios, o Futebol e outras "rasteirices" humanas...( 2ª Parte )

Naquela tarde domingueira, aquele jogo de futebol amigável em Pedorido, foi o resultado de um ambiente eufórico e de muita satisfação, vivido na vizinha aldeia de Oliveira do Arda, que contagiou não só toda aquela juventude, mas o resto da aldeia, que não sendo tão jovem, aderiram, porque perceberam que numa época tão difícil como aquela, receber "de mão beijada" um equipamento completo, era de se lhe "tirar o chapéu"!... A desinteressada oferta, fora cometida por um emigrante OLIVEIRENSE, que daquela forma, quis fazer uma agradável surpresa, sabendo de antemão do jeito que a oferta iria proporcionar aos jovens da sua aldeia!
O Verão ia sensivelmente a meio daquele saudoso ano de 1958!
Acontece, que na época existia um óptimo relacionamento entre a juventude das duas aldeias e não era só devido à proximidade, mas sobretudo ao convívio diário que mantinham na Carbonífera e que solidificava profundamente as amizades; por todas estas envolvências, o adversário natural só poderia ser Pedorido, que, quando contactado, logo aceitou, tanto mais que o referido jogo iria ser disputado no seu improvisado campo, entre o Arda e o Douro, como era habitual...
Foi das maiores enchentes que ali aconteceram! Era um ambiente de festa, que ultrapassava o jogo em si, e, recordamos, que de Oliveira do Arda veio um apoio extraordinário à sua equipa, como nunca se vira!... Só que as coisas vieram a correr muito mal dentro das quatro linhas e a festa foi estragada, quando já na segunda parte, alguns dos jogadores se envolveram em pancadaria e Pedorido perdia já por 3-2! Este lamentável acontecimento impediria que o jogo chegasse ao fim, restando a consolação de que aquele desaforo não contagiasse os espectadores, que felizmente se mantiveram à margem do problema, abalando calmamente encosta acima, uns para regressar desiludidos a suas casas, outros "desligando" rapidamente e dispondo-se para uma perninha de dança no tal BAILARICO a que já fizemos referência; outros ainda para dar continuidade ao namorico, já que o dia era "ainda uma criança"; uma boa parte dos homens adultos seguia para "encostar" naquelas tabernas tão do seu agrado, onde esperavam encontrar aqueles com quem já era hábito disputar uns jogos de sueca, acompanhados com umas quantas canecas de um tinto verde e carrascão, que costumava deixar as suas marcas no interior do branco da porcelana...
Na semana que se seguiu ao jogo, não faltaram os comentários por toda a aldeia de Pedorido; as críticas eram unânimes à forma como um jogo amigável havia terminado e até alguns, que haviam feito parte da equipa, lamentavam o sucedido, até porque eram amigos, diziam, mas que agora já não havia nada a fazer, que o mal já estava feito, etc, etc,etc.É neste estado de espírito que o assunto é encarado no seio da população, pelas várias tabernas e claro nos mais variados locais de trabalho da Carbonífera; como não podia deixar de ser, o tema chega à barbearia e é ali amplamente discutido e a determinada altura surge a voz de um PEDORIDENSE, que decide tomar uma posição, que apanhou todos de surpresa:
- Não só reprovava o que acontecera no referido jogo, como também não concordava com as lamúrias dos infractores, que era, afinal, uma forma encapotada de se desresponsabilizarem, ao não assumirem a m.... que fizeram; não se podia ficar pelas "meias tintas" e defendia que se devia pedir desculpas públicas ao adversário, - leia-se Oliveira do Arda - convidá-los para novo jogo, para aí "acertar todas as agulhas" e assim restabelecer perante os dois públicos, a amizade que sempre existira entre povos vizinhos; ao mesmo tempo defendia, que era necessário fazer uma profunda remodelação na equipa de Pedorido, convocando outros jogadores, porque na sua opinião, havia que disciplinar e não premiar infractores!
Passou-se de imediato à acção e os Oliveirenses aceitaram as desculpas e aceitaram também fazer segundo jogo, que em pouco tempo foi levado à prática no mesmo terreno de jogo, ou seja, nas CONCAS.
O segundo encontro decorreu sem incidentes; Pedorido venceu com naturalidade por 5-1, utilizando uma equipa que muitos consideraram como sendo uma equipa de segunda, mas que cumpriu os objectivos a que se propôs!
Passados tantos anos é mais que justo, divulgar que o Pedoridense que esteve na origem desta bela atitude, que "deu a cara" e "meteu mãos à obra", retirando da lama o nome da terra que o vira nascer, chamava-se JOSÉ, era barbeiro de profissão e naquela tarde foi ao ponto de se equipar para capitanear a equipa, não fosse "o diabo tecê-las"...
Posteriormente a estes acontecimentos e quando na mesma BARBEARIA, onde em boa hora se havia feito luz, recordávamos estes factos e suas peripécias em que o "capitão" para um jogo e apenas por precaução, afirmava convicto:-« Fui para dentro do campo comandar aquela equipa, convencido de que era o jogador mais fraco e tenho consciência de que fui o responsável do golo que sofremos, quando já ganhávamos por 5-0...».
O"capitão" não era inocente e com os seus trinta e pico anos, sabia que na aldeia havia bons jogadores de futebol, só que eram traídos pela falta de maturidade, coisa que a ele não faltava... e demonstrara-o naquela disputa provocada pelo padre da paróquia, se bem se recordam...
Agora à distância, recordamos tais acontecimentos com muita saudade e apreciamos como foi bela, generosa e futurista, a atitude do ZÉ MARANTA, que teve ainda o sabor da humildade e do desprendimento, porque sabia que nada iria receber como contrapartida, como foi o caso!...

Moral da história: Só podemos dar aquilo que temos dentro de nós!... E quem nada tiver, nada poderá dar!

O nosso barbeiro, não mais voltou a envergar a camisola do clube da sua aldeia, nem mesmo para a capitanear e toda a gente percebeu, que só o fez naquele jogo, por uma questão de carácter e da dívida, que todos temos, para com a terra que nos vê nascer e à qual pertencemos até ao fim!


OBRIGADO "CAPITÃO"! OBRIGADO ZÉ!

RECORDAR É VIVER DUASVEZES!

UM GRANDE ABRAÇO PARA PEDORIDO E PARA OLIVEIRA DO ARDA!

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

..Os Rios, o Futebol e outras "rasteirices" humanas... ( 1ª parte )

Os meses de Verão, nos anos de Cinquenta e Sessenta, proporcionavam uma mais intensa actividade no futebol amador, entre as aldeias vizinhas.
Em Pedorido, não se fugia à regra e ali mesmo, onde o Arda terminava o seu percurso, surgia aquele tapete de lodo já solidificado, aqui e ali com alguma grama, transformado em campo de futebol; este pequeno espaço, mesmo encostado ao areal, era como que o resultado natural do afastamento do caudal do Douro, empurrado pela seca às fragas da Penela, ali mesmo em frente, na margem direita, deixando a descoberto um extenso areal do lado do Arda e que causava todo aquele encanto e um belo contraste, com o tão apreciado Choupal das Concas, onde também sobressaíam as nogueiras e os castanheiros, árvores quase centenárias, que convidavam ao passeio e ao desfrute duma beleza tão natural, que faziam daquele espaço, o mais romântico da aldeia e nem se conhecia nas aldeias mais próximas, outro local que rivalizasse sequer com a sua beleza!
Claro, que nem todos ocupavam as tardes desses já longínquos domingos da mesma forma!...
A maior parte assistia entusiasmada à renhida partida de futebol, colocando-se estrategicamente num ponto ligeiramente elevado, ali mesmo em cima do acontecimento e de costas para o Choupal, não tirando os olhos do que ia acontecendo no improvisado campo e podendo ainda mirar todo o movimento de automóveis, que na marginal da outra banda começara a ter bastante significado, aos fins de semana, a partir de meados dos anos Cinquenta!
Isto quereria significar que as gentes do Porto, Gaia e outras, descobriam finalmente, o interesse que as zonas ribeirinhas do Douro representavam para as suas horas de lazer e que passava a ser mais uma alternativa às suas praias atlânticas; ali na aldeia, havia quem não prescindisse da pesca no Grande Rio, nem que domingo fosse, era como que uma outra paixão, que desde miúdos alimentavam e que só por morte, ou por outra razão de força maior seriam capazes de pôr de lado; não seria um simples jogo de futebol, mesmo que um dos sobrinhos alinhasse pela equipa da sua aldeia, uma razão forte para o desviar daquela tarefa domingueira, até porque mesmo antes da noite, teria todas as informações acerca do resultado e das peripécias, que sempre acontecem nestes jogos entre equipas vizinhas; os pequenos lavradores, normalmente, optavam pela ida ao futebol, mas não prescindiam de uma passagem por algum dos bocados de terra, que ora ficava na ribeira do Arda, ora no alto da Parada, ou até lá para os lados do Picão; os mineiros eram assíduos, pouco faltosos e vibravam com as jogadas dos miúdos mais habilidosos, aliás, parte da equipa era composta por mineiros que desde muito novos não deixaram de comparecer no velhinho campo de saibro, lá na fronteira com a Póvoa, maravilhados com a técnica e o saber do velhinho húngaro Zanos Zorgo, que aqui relembramos!...
Os pares de namorados tinham nas tardes de domingo o ponto mais alto da semana e havia que aproveitar bem o tempo! Havia mesmo quem utilizasse as travessias de barco, na esperança de encontrar na outra margem, o amor que ainda não tinha vislumbrado na sua querida aldeia, enquanto que outros namoros já mais sólidos, também optavam pela mudança de ares, fazendo a travessia do Douro, para desfrutar de todo aquele cenário que o rio proporcionava, ao mesmo tempo que usufruiam duma outra liberdade e de um à vontade, que nem sempre era conseguido nas suas aldeias!
As Concas ganhavam na preferência dos jovens casalinhos e as razões estavam à vista:- Era um local muito acolhedor e um espaço onde se respirava um certo romantismo e que beneficiava de temperaturas amenas no pico do Verão, em resultado do arvoredo de que já falamos, mas também indo beneficiar e muito de toda aquela envolvência que o Arda e o Douro lhe transmitiam!...
Era certo e sabido, que assim que terminasse o jogo de futebol, os promotores habituais dos bailaricos arrancavam cá em cima, junto da velha serração, com o reportório, que sendo já conhecido, servia de suporte e chamamento às danças habituais e que naquele dia só atrasaram umas horas devido ao futebol; o jogo agora já era outro e os intervenientes mudaram radicalmente e o futebol passara à história... O acordeão, a viola e o minúsculo cavaquinho não davam tréguas e se no início eram três ou quatro pares de dançarinos, logo que a multidão atingia o local do bailarico, o número de pares multiplicava-se e por consequência a roda alargava o suficiente para dar espaço ao vira do Minho, que nem a propósito " obrigava " toda aquela juventude a um ritmo endiabrado e ninguém queria "ficar mal na fotografia"... A apreciar este cenário, por fora, apareciam sempre alguns mais idosos, homens e mulheres, como que a matar saudades dos tempos da sua juventude e que entretanto passara, mas que deixou as marcas de alguma saudade!... Assim que começasse a debandada dos dançarinos, o baile era encerrado, mas ficava prometido pelos músicos amadores, que voltariam no domingo próximo e seguintes...

Tudo quanto narramos até aqui inseria-se perfeitamente dentro dos padrões que na época se pautavam pela sã convivência e pelo respeito que coexistiam no seio deste tipo de sociedades trabalhadoras e pacíficas, para quem o dia a dia não era "pera doce", mas que suportavam com muita dignidade! O domingo era como que a compensação mínima de semanas laboriosas e de uma certa desumanização, uma vez que se tratava de trabalhos duros e de alguma violência física, quer se tratasse nas minas em Germunde ou no Fojo, ou mesmo na agricultura de subsistência em todas as aldeias do Couto Mineiro.
Mas como "uma desgraça nunca vem só", esta linda aldeia na foz do Arda, vivia um outro tormento, que corroía as suas entranhas e lhe ia retirando, lenta mas continuadamente, a dignidade que fazia parte da sua matriz; tudo isto tivera origem num plano orquestrado pela cabeça de um padre, que após ser bem acolhido pela paróquia, resolvera nomear-se como que o "controleiro" da vida privada de toda a gente humilde, infernizando pela "calada" a vida de muitas pessoas... Apenas escapavam ao controle os mais abastados e que na época eram escassos!...
Por aqui ficamos a perceber, que a espionagem ao serviço do abade tivera que redobrar de atenção naquela já longínqua tarde de domingo, em que a juventude da aldeia estivera particularmente activa em várias frentes:- a) Primeiro, porque o futebol mobilizara uma pequena multidão e as multidões complicam, criam até embaraço e despistam espiões com alguma experiência... b) Segundo, porque o bailarico poderia dar lugar a situações bastante "criativas" e por isso mesmo de muito interesse para a causa a que consciente ou inconscientemente aderiram; c) Terceiro, porque a dispersão dos pares de namorados era grande e a juntar a tais dificuldades, ainda poderiam perder de vista aqueles pares, que, em devido tempo, haviam passado de barco para a outra margem e a quem não queriam perder o rasto, de modo algum...
À primeira vista, todo este emaranhado de situações resultariam num cenário complicado para espiões "amadores", mas tinham que se desunhar, para, logo que possível, levar até ao "chefe", senão todas, pelo menos as últimas informações, que actualizariam os casos que vinham a ser seguidos e que de forma alguma poderiam ficar em branco, numa tarde tão rica em movimentações!...
Sabia-se que do futebol não vinha o mal ao mundo, apenas poderia dar aso a umas entradas mais violentas, ou a uns palavrões que ofendiam não o próprio, mas algum familiar de que se gosta muito, mas no geral não passava disso; mas os "espias" tinham que ter "cuidados" redobrados, porque podia dar oportunidade para outros "encontros", porventura mais amorosos e aquele abade convivia muito mal com os AMORES dos humildes, que, embora o fossem, afinal, também tinham todo o direito à FELICIDADE! Ou será que NÃO?!
O grande problema é que aquela boa gente estava a ser controlada pelo Fascismo, numa "santa" aliança com uma Igreja milenar, mas que se deixara enredar pelos interesses mesquinhos de pessoas sem escrúpulos, que da capital tratavam do País como se fora uma sua QUINTA!
Esqueceu-se essa gentinha dum pequeno mas importante pormenor: - NUNCA SERÁ FÁCIL DOMINAR UM POVO COM MAIS DE OITOCENTOS ANOS DE HISTÓRIA!!!!