No passado sábado (20 de Abril de 2013) fui convidado a participar num encontro/debate, cuja discussão se centrava no projecto Habitovar, uma Cooperativa de Construcção Habitacional sediada em Ovar, cujo início legal remonta já a 12 de Março de 1976.
Devo confessar, que não fui para este encontro com grandes espectativas, nem quanto às presenças, nem quanto às intervenções que ali iria escutar, mas isso também foi um dos motivos porque acedi a estar presente, até porque raramente isto acontece na vida desta cooperativa, porque se fica, normalmente, pelas duas assembleias gerais ordinárias, cuja discussão não tem nada de inovador e é já como que um ritual obrigatório, obrigado pela Lei e pelos decretos.
A primeira impressão já na sala foi que a afluência dos convidados nem era fraca, bem pelo contrário, mas, pareceu-me, uma boa disposição geral e sobretudo vontade de que o debate fosse proveitoso, especialmente para o futuro desta cooperativa, já que, nem por uma vez, se falaria no restante movimento cooperativo, que, penso, poderá a viver momentos difíceis na actual conjuntura política do país e da Europa... Também me pareceu um certo amadorismo - penso que normal - no resumo do que foi e como se processou o ideal que levou ao nascer deste fruto cooperativo... Penso, que foi claro (creio que terá sido sem maldade, claro...) não ter sido dito que estas ideias e posteriores contactos entre pessoas só foram possíveis porque Abril (1974) e o novo regime democrático tinham permitido às gentes deste país organizarem-se para o arranque das Comissões de Trabalhadores e também das Comissões de Moradores nas fábricas de Ovar e nas zonas de residência. Aliás, foi curioso ouvir um pouco mais adiante Guedes da Costa sublinhar precisamente isso, quando nos contava as dificuldades e resistências encontradas pelos trabalhadores de F. Ramada, ainda antes de Abril, assim que se puseram em campo para legalizarem a Cooperativa de Consumo de F. Ramada... Não esteve só em causa o lado complicado das burocracias, naturalmente, mas, porque o regime da época desconfiava sempre deste tipo de palavras com a termonologia de "cooperativa" "popular" "unidade" e, por aí fora, que indiciariam formas de poderes estranhos ao poder absoluto instituído e consagrado pela Constituição Salazarista de 1933. Este foi um factor decisivo - não é um mero pormenor - e é uma falha grave não ser narrado (falado ou escrito) por quem tem responsabilidades na Habitovar!
Pareceu-me também que foram razoavelmente descritas as dificuldades porque passou a Habitovar, já em fase avançada de construcção das diversas tipologias de casa, mas o mesmo não me pareceu no que respeita àquele período difícil e complicado porque passou a Cooperativa, quando resolveu terminar a obra pela adjudicação directa da mesma!.. E não foi uma fase de meses, e, lá está, foi um novo processo a que a Cooperativa se viu sujeita, que nunca teria passado pela cabeça dos fundadores de 1976, que, duma forma geral foram sendo nomeados, nada a dizer, com especial referência para o António Pereira e o Hugo Colares Pinto, não só por terem falecido, naturalmente, mas, porque foram dos fundadores mais idealistas e porque "arrastavam" as pessoas e tinham dons (que pouca gente refere)... Diz-se que o Hugo C. Pinto, por exemplo, seria um homem com uma certa vaidade, talvez fosse, mas ao mesmo tempo sabia ser humilde, e, sabia como ninguém fazer "pontes", coisa essencial num projecto complexo como foi este da Habitovar! Neste período da administracção directa da obra acho importante referir aqui algumas verdades que quase ninguém gosta de falar e muito menos de admitir, talvez, porque à "nossa boa maneira" temos aquele defeito, que poderá ser genético, sei lá, de misturar tudo num mesmo saco, não querendo admitir, que, se as falhas humanas são válidas e existem, infelizmente é assim, as virtudes e o que transparece daí também não deverá ser branqueado, até porque estaremos a ser não só injustos, mas também a esconder à comunidade esses factos e essas virtudes, porventura mais dignos, de pessoas de quem se comenta apenas como válido o que possa ter sido errado... Estou a lembrar-me de duas ou três profissionais com grandes responsabilidades num desses períodos da nossa Cooperativa e que deram grande contributo à vida diária da Habitovar, numa época em que os dirigentes trabalhavam por conta de outrem, não eram remunerados e não acompanhavam a par e passo o desempenho de dezenas e dezenas de profissionais em obra!... Isto precisava de ser dito e parece-me que há uma certa relutância em fazê-lo, sendo certo que o historial da Habitovar ficará para sempre incompleto.
Assim como também não tem sido referido, que em todo este processo cooperativo no que à habitação diz respeito, foi possível unir em volta da Habitovar um leque alargado de pessoas a morar em Ovar nas mais variadas profissões e proveniências, incluindo até os chamados "retornados" que também não se fizeram rogados e fizeram parte, inclusivé, dos Corpos Sociais da nossa Cooperativa! Lá está, todos estavam irmanados pelo mesmo objectivo, que era poder usufruir duma casa para si e para os seus familiares a custos controlados!
Já neste último e recente processo da Cooperativa em que se dá a mudança estatutária para uma IPSS pareceu-me que foi feito um resumo mais de acordo com a realidade, talvez pelo facto de se tratar dum período que foi já desempenhado pelos actuais directores cooperativos... Quando focaram o actual momento e o futuro da Cooperativo, pareceu-me ali alguma insegurança, e sobretudo, não vi ideias claras, ou muito claras, quanto ao futuro deste projecto, porque não foi dito claramente o que se pretende, mas percebeu-se que era a viabilidade que estava em cima da mesa. Não é por nada, mas por uma ou duas intervenções fiquei com a ideia, possivelmente errada, que se bateu bastante numa tecla de "olhem para nós", "fazemos parte da cidade" "não nos abandonem", quando preferiria ouvir das necessidades futuras para uma viabilização sem "tremideiras", quanto possível. Não deu para perceber...
Quanto às questões internas afloradas pelo actual presidente e que caíram como um desabafo sem consequências, pese embora ser verdade a falta de apoio e de participação interna, terá muito a ver com este estado geral a que o nosso país chegou e que passa por um enorme desgaste emocional, sem querer esconder algumas querelas individuais e de grupo que foram tendo lugar ao longo da vida desta cooperativa e que ainda persistem, mas que convém fazer com que diluam, porque é um projecto que merece ser continuado e só com a participação dos sócios será possível!
As intervenções dos convidados foram em grande parte positivas e sem citar nomes fiquei com uma ideia de que houve alguma evolução positiva nestas pessoas de fora da Habitovar! Todas viram neste empreendimento cooperativo e agora nesta "soma" IPSS uma obra notável, que começa a ser reconhecida e gostei de ouvir o actual presidente camarário a reconhecer em todo este processo actual uma lisura e transparência que não vê em outras IPSS's! Ora, nos dias que correm, ouvir falar convictamente um alto dirigente local em "Instituição com lisura" deixa-me assim quase sem saber o que dizer!...
Tive pena de não ter estofo mental pelo adiantado da hora (caminhava-se para as 20 horas) para continuar a "conversa" com todos aqueles amigos, mas se houver uma continuidade, mesmo que interna, poderão contar com a minha modesta presença e ponderada colaboração... E sabem porquê?! Porque percebi, que além de ser um dever meu, tive ainda a possibilidade de recordar coisas e factos que havia quase esquecido, além de "apanhar" outras que nem saberia, nem imaginaria sequer, e, ainda, porque vi pessoas amigas que já não via há algum tempo e outras que me mostraram uma evolução positiva de que nem estaria à espera!
Um futuro risonho para esta HABITOVAR!